18/11/2011 por ARNALDO QUIRINO DE ALMEIDA
CURSO DE PRÁTICA JURÍDICA PENAL À DISTÂNCIA
INSTRUMENTOS DE IMPUGNAÇÃO DA PRISÃO ILEGAL
Professor Arnaldo Quirino de Almeida
MODELO DE HABEAS CORPUS NA VIGÊNCIA DA LEI N° 12.403/2011:
artigos 282 e 319, inciso VI do Código de Processo Penal
(artigo 5º, inciso LXVII da Constituição Federal e art. 647 e ss. do CPP)
Palavras-chave: habeas corpus; constrangimento ilegal; contribuição previdenciária; suspensão das funções exercidas pelo paciente; reiteração da atividade criminosa; princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade da medida cautelar; empresa familiar; prejuízo à continuidade das atividades comerciais; princípio da legalidade; princípio da taxatividade; garantia da ordem econômica e financeira.
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3a REGIÃO – SÃO PAULO – SP.
AÇÃO PENAL Nº 0000000/0000
Autor: Ministério Público Federal
Denunciado: Fulano de Tal
FULANO DE TAL, brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB/SP sob nº 00.000, CPF. nº. 000.000.000/00, com escritório localizado na Avenida Tal, nº OOO, São Paulo-SP, abaixo-assinado, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, nos termos do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal e artigos 647 e 648, inciso I e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente ordem de
“H A B E A S C O R P U S”,
com pedido de liminar,
em favor de FULANO DE TAL, brasileiro, casado, empresário, portador do RG. nº 00.000.000/SSP-SP, CPF. nº 000.000.000-00, residente à Rua Tal, n° 00, São Paulo-SP, por estar sofrendo constrangimento ilegal emanado da digna autoridade coatora, o MM. JUIZ FEDERAL DA VARA CRIMINAL DA 1ª SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO – SP, conforme as razões de fato e de direito a seguir expostas:
I – DOS FATOS
1. O paciente foi denunciado pelo Ministério Público Federal, lhe imputando o órgão ministerial o cometimento do crime previsto no artigo 168-A c/c artigo 71 do Código Penal, ao argumento de que, na condição de sócio e administrador da empresa Confecção “Bella Bolsas” Ltda., teria deixado de repassar à Previdência Social às contribuições previdenciárias descontadas dos salários de seus empregados, no período de janeiro de 2006 a julho de 2008, cujo débito foi apurado no Procedimento Administrativo Fiscal nº 00000.00000/2010-00 e objeto da NFLD nº 00.000.000-0, no valor de R$ 58.568,00 (cinqüenta e oito mil, quinhentos e sessenta e oito reais), conforme os documentos que ora são juntados.
2. O Ministério Público Federal, ao ofertar a denúncia, requereu, ainda, dentre outras providências, a decretação da medida de cautela consubstanciada na suspensão das atividades exercidas pelo paciente na empresa de que é sócio, até o final da persecução penal, por entender que sua permanência à frente da administração dos negócios poderia render ensejo à reiteração da atividade criminosa (artigo 319, inciso VI, do CPP).
3. Antes mesmo de ser ofertada a exordial acusatória, após o advento da Lei nº 11.941/2009, de 27 de maio de 2009, a empresa na qual figura como sócio o paciente ingressou no regime de parcelamento, aderindo às condições previstas no
diploma
legal referido, consoante demonstra cópia do requerimento protocolado em 30 de agosto de 2009 junto à Secretaria da Receita Federal, para tal finalidade.
4. Requereu na oportunidade o parcelamento dos valores das contribuições previdenciárias devidas representadas pela NFLD nº 00.000.000-0 e também as contribuições de mesma natureza que, por dificuldade financeira, a empresa deixou de recolher no período de agosto de 2008 até novembro de 2008, totalizando o débito consolidado o valor de R$ 69.102,45 (sessenta e nove mil, cento e dois reais e quarenta e cinco centavos) (doc. Anexo).
5. A exordial acusatória foi recebida em 10 de outubro de 2009, tendo, noutro passo, a digna autoridade coatora, acolhido o pedido do Ministério Público Federal determinando a suspensão das atividades do paciente, afastando-o da administração de sua empresa, a fim de evitar a reiteração do crime que lhe foi imputado, por considerar-lhe o principal mentor do delito descrito pela acusação.
6. Em sua decisão, a autoridade coatora deixou consignado que, oficiado à Delegacia da Receita Federal, foi informado que havia inconsistência na discriminação das contribuições previdenciárias devidas e nos documentos apresentados pela empresa, inviabilizando a consolidação do débito declarado e, consequentemente a efetivação do parcelamento requerido, nos termos do que dispõe a Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 6, de 22 de junho de 2009.
7. Ainda, justificou a medida de cautela no fato de que, além de não recolher ou parcelar o débito previdenciário, segundo noticiado pela acusação e pela Delegacia da Receita Federal, a empresa insistia em não recolher as contribuições previdenciárias descontadas de seus empregados, sendo razoável e necessária a aplicação da medida prevista no inciso VI, do artigo 319 do CPP.
II – DO CABIMENTO DO PRESENTE HABEAS CORPUS
8. A r. decisão da digna autoridade impetrada, embora sem restringir diretamente à liberdade de locomoção do paciente, impondo tão somente o afastamento cautelar do exercício de atividades na empresa devedora das contribuições previdenciárias, na forma do artigo 319, inciso VI, do Código de Processo Penal, poderá, em tese, caso descumprida, implicar na decretação da custódia cautelar do paciente, como autorizado pelos artigos 282, § 4° e 312, parágrafo único, do Código de Processo Penal.
9. Por outro lado, a Constituição Federal, no inciso LXVIII, do artigo 5°, tutela amplamente o direito à liberdade de locomoção, mesmo que somente ameaçado de sofrer violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder, o que equivale a concluir que não é necessária a efetivação em concreto de constrangimento ilegal limitador daquele direito constitucional para fazer incidir o cabimento da garantia constitucional do habeas corpus. O inciso LXVIII do preceito constitucional encontra-se assim redigido:
“LXVIII – conceder-se-á ‘habeas-corpus’ sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção (g.n.), por ilegalidade ou abuso de poder;”
10. De sorte que, preliminarmente, cabe destacar que na hipótese presente é cabível a impetração de habeas corpus, para buscar afastar o constrangimento ilegal que está sendo imposto ao ora paciente, e, em outra perspectiva, para fazer cessar a “ameaça de violação ou coação ilegal em sua liberdade de locomoção”.
III – DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL
11. A r. decisão irresignada não pode prosperar e representa inexorável constrangimento ilegal imposto ao paciente, que, ademais, está providenciando todos os documentos exigidos pela Secretaria da Receita Federal a fim de convalidar seu pedido de parcelamento, sanando eventuais inconsistências de seu requerimento e verificadas na discriminação das contribuições previdenciárias devidas, que serão objeto do parcelamento autorizado pela Lei n° 11.941/2009.
12. Muito embora na via estreita do habeas corpus não se possa adentrar em aspectos meritórios que demande análise aprofundada de provas e da controvérsia em torno da eventual responsabilidade penal do ora paciente, importa ressaltar que a omissão dos recolhimentos das contribuições previdenciárias deu-se em razão de dificuldades financeiras experimentadas pela empresa do paciente, agravada pela crise do mercado e, consequentemente, por forte retração nas vendas no período contemporâneo ao débito tributário contraído, nunca devido à má gestão de suas atividades.
13. Realça a boa-fé do paciente e de sua empresa, o pedido de parcelamento das contribuições previdenciárias não recolhidas, motivado pela regularização do mercado e aumento das vendas, de modo a permitir-lhe fazer subsistir seus negócios, inclusive regularizando pagamento de salários atrasados de seus empregados, fatos que poderão ser sobejamente demonstrados, caso necessário, no curso da persecução penal.
14. No mais, tratando-se de empresa de pequeno porte que emprega 30 funcionários, na qual figura o paciente como um dos sócios e seu principal administrador, é imprescindível que esteja à frente da administração dos negócios sob pena de sérios prejuízos ao faturamento, além de necessário para continuar gerenciando o saneamento financeiro da empresa.
15. Importa notar, outrossim, que a subsistência do paciente, sua família e de seus empregados dependem diretamente de sua presença à frente da empresa, posto que, a outra sócia, a Sra. Fulana de Tal, sua esposa, não obstante constar do instrumento social, não participa das decisões e administração da empresa, como restou reconhecido pelo Ministério Público Federal, que a excluiu da imputação descrita na denúncia, tudo a demonstrar o constrangimento ilegal que está sendo imposto ao paciente.
IV – AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS PARA A DECRETAÇÃO DA MEDIDA DE CAUTELA: necessidade, razoabilidade e proporcionalidade
16. Apesar da autorização legal inserta no inciso VI, do artigo 319, do Código de Processo Penal, a permitir o afastamento cautelar das atividades exercidas pelo indiciado, acusado ou réu, tal medida deverá ser decretada com a costumeira prudência, sob pena de representar ônus mais grave do que aquele que poderá experimentar o indivíduo com o advento de eventual sentença condenatória.
17. Para a decretação da referida medida, inovação da Lei 12.403/2011, é de fundamental importância a avaliação, em concreto, da necessidade, adequação e proporcionalidade da tutela cautelar pretendida (artigo 282, incisos I e II, do CPP).
18. A necessidade do afastamento cautelar no caso em tela foi fundamentada na imprescindibilidade de, com sua decretação, se evitar a reiteração do crime previsto no artigo 168-A, do Código Penal. Porém, os fatos acima elencados evidenciam que é desnecessária a medida cautelar decretada em desfavor do paciente.
19. Como demonstram os documentos que instruem a impetração, a empresa está envidando esforços para sua inclusão no programa de parcelamento instituído pela Lei nº 11.941/2009 e atualmente encontra-se complementado a documentação exigida pela administração fazendária para, consolidado o valor das contribuições previdenciárias devidas, prosseguir o pagamento das parcelas convencionadas.
20. Logo, se por ora ainda não se pode falar na aplicação dos artigos 68 e 69 da Lei nº 11.941/2009, suspendendo-se a pretensão punitiva do Estado, com a possibilidade de extinção da punibilidade após o pagamento integral do débito consolidado, por outro lado, é equivocado supor que o paciente mantido na administração de seus negócios continuará a delinqüir praticando a mesma espécie de crime, a revelar que o afastamento provisório do exercício da atividade não é medida necessária.
21. Também não se pode afirmar seja a medida adequada e proporcional. Isso porque, como já relatado, tratando-se de empresa familiar e de pequeno porte na qual o paciente figura como principal e único administrador dos negócios, afastá-lo de suas funções por certo representa ônus excessivo, que causará sérios prejuízos à continuidade das atividades da empresa, à subsistência do paciente, de sua família e, por via oblíqua, de seus empregados. O ônus seria desproporcional, inclusive, a superveniência de eventual condenação, pelos efeitos danosos da medida cautelar sobre aspectos da vida pessoal e profissional do paciente.
22. Impende assinalar que, o princípio da adequação e proporcionalidade que se espera seja prestigiado no presente caso, com as alterações introduzidas pela Lei nº 12.403/2011, foi positivado na nova redação do artigo 282, inciso II, do CPP, ao determinar que as medidas cautelares devem ser “adequadas à gravidade do crime e às circunstâncias do fato, além de atender às condições pessoais do indiciado ou acusado”.
23. Por sua vez, uma das razões para fazer acrescentar ao rol de medidas cautelares “de meio termo” a possibilidade da suspensão provisória do exercício de atividade pública ou privada, foi possibilitar ao juiz que tivesse alternativa além da prisão preventiva “nas hipóteses de justo receio do cometimento de novas infrações penais pela permanência do acusado ou réu no seu posto de trabalho, sempre que demonstrado que poderia utilizar-se das facilidades do seu cargo ou função para tal finalidade” (artigo 319, inciso VI, do CPP).
24. Uma análise apenas objetiva da autorização legal para o afastamento cautelar das funções exercidas pelo paciente em sua empresa, poderia levar à conclusão de que a hipótese aqui se aplica. Mas, não podemos deixar de lembrar que a medida de cautela, para ser legitimada, deve ter sua viabilidade aferida pela leitura em conjunto com o disposto no artigo 282 e seus incisos, do CPP, como ressaltamos.
25. E, no caso em tela, é óbvio que o afastamento cautelar do paciente do exercício de suas atividades representará pesado ônus não somente à sobrevivência de sua empresa, mas a sua própria e a de seus funcionários, dado que, consoante afirmado anteriormente, é o principal administrador dos negócios e cujo afastamento causará por certo prejuízos irreparáveis, à ausência de outra pessoa ou administrador para substituí-lo, já que se trata de empresa de pequeno porte, sendo, portanto, impraticável a divisão das tarefas gerenciais e de administração pela ausência de outro representante ou administrador apto a substituir o paciente nessa árdua tarefa.
26. A medida decretada, s.m.j., não é dotada de qualquer razoabilidade e proporcionalidade, logo, contraproducente para atingir o desiderato que se espera com o afastamento provisório das funções. Ademais, o paciente não se trata de criminoso contumaz ou que esteja utilizando-se de sua empresa para fazer dela uma “organização voltada ao cometimento de crimes” e os fatos narrados na exordial acusatória são episódios pontuais motivados por grave dificuldade financeira.
27. Outrossim, impede assinalar que o permissivo legal tem alcance restritivo em observância aos princípios da legalidade e da taxatividade das medidas cautelares em matéria criminal. De sorte que, naquilo que interessa a matéria deduzida no presente writ, nos parece que a medida não atende ao princípio da adequação inserto no inciso II, do artigo 282, do Código de Processo Penal.
28. No caso de exercício de atividade privada, o inciso VI, do artigo 319, da norma processual penal, segundo sua redação, autoriza o afastamento provisório exclusivamente quando em face de crimes cometidos contra a ordem econômica e contra o sistema financeiro nacional, logo, visa à garantia da ordem econômica e financeira, cujos delitos encontram-se previstos, respectivamente, nas Leis 7.492/86, 8.137/90 (artigos 4° e seguintes) e 8.176/91. Para além dessas hipóteses, a decretação da referida medida de cautela implicaria em violação dos princípios da legalidade e da taxatividade que são indissociáveis a matéria, logo, inapropriada à situação dos autos no qual o paciente foi denunciado pela prática do delito de omissão de recolhimento de contribuição previdenciária (artigo 168-A, CP), que indubitavelmente possui a mesma natureza jurídica dos crimes contra a ordem tributária.
29. Demonstrado que a cautela decretada não é necessária e que não passa pelo crivo da razoabilidade e da proporcionalidade, sua revogação, incontineti, é medida que se impõe, a fim de que seja reparado o constrangimento ilegal que está sofrendo o paciente.
V – DO PEDIDO
30. Diante de todo o exposto, requer, LIMINARMENTE, a concessão da ordem de HABEAS CORPUS, para que cesse imediatamente o constrangimento ilegal que está sendo imposto ao PACIENTE e que se digne determinar a revogação da decisão que determinou o afastamento cautelar das atividades que exerce na empresa em que figura como sócio, denominada Confecção “Bella Bolsas” Ltda., e, ao final, após regular processamento deste writ nos termos do que dispõe os artigos 661 e seguintes do Código de Processo Penal e artigos 178 e seguintes do Regimento Interno desta Egrégia Corte Regional, com as informações da digna autoridade coatora e parecer do Ministério Público Federal, seja confirmada a medida liminar com a concessão em definitivo da ordem em favor do paciente, por ser medida de JUSTIÇA!
Termos em que,
pede deferimento.
São Paulo-SP,
(NOME, OAB E ASSINATURA DO ADVOGADO)
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