Amaury Haruo Mori2
Sumário: 1. Delimitação e relevância do tema. 2. A mediação e a
conciliação na legislação brasileira. 2.1. Processo no âmbito dos
Tribunais judiciais. 2.2. Processo fora do âmbito dos Tribunais
judiciais. 3. A mediação e a conciliação: distinção ou identidade. 4.
Princípios gerais aplicáveis à mediação e à conciliação. 4.1. Princípio
da autonomia privada. 4.2. Princípio da boa-fé. 4.3. Princípio da
confidencialidade. 4.4. Princípio da igualdade das partes. 4.5.
Princípio da eficácia. 4.6. Princípio da qualificação do mediador e do
conciliador. 4.7. Princípio da inafastabilidade da jurisdição. 5.
Conclusão.
1 Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina de
Direito Processual Civil I do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas do ano
letivo 2006-2007, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, avaliado
e aprovado pelo Professor Doutor Luís de Lima Pinheiro e pelo Professor
Doutor Dário Moura Vicente.
2 Juiz do Trabalho no Estado do Paraná, Mestrando em Ciências Jurídicas pela
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, com Curso de Especialização
em Direito do Trabalho pela Unibrasil, e Curso de Especialização em Direito
Processual Civil pelo Instituto de Ciências Sociais do Paraná/IBEJ.
1. Delimitação e relevância do tema
Este trabalho tem por objetivo identificar e analisar os princípios
gerais aplicáveis aos processos de mediação e de conciliação.
Estudos jurídicos sobre os meios alternativos de resolução de litígios
ganham relevância na mesma proporção em que se verifica a
crescente tendência para a utilização destes recursos nos conflitos de
interesses das mais diversas naturezas, dentre os quais, para citar
alguns exemplos colhidos na doutrina, os familiares, de vizinhança,
os comerciais, os laborais, os relativos ao endividamento dos
consumidores3, e ainda outros mais específicos, emergentes do setor
bancário, do comércio eletrônico e de relações comerciais
internacionais4 .
3 Cfr. João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias, Por Caminhos da(s)
Reforma(s) da Justiça, Coimbra: Coimbra, 2003, p. 53.
4 Cfr. Dário Moura Vicente, “Resolução Extrajudicial de Conflitos no Sector
Bancário”, “Meios Extrajudiciais de Composição de Litígios Emergentes do
Comércio Electrónico” e “Mediação Comercial Internacional”,
respectivamente, todos in Direito Internacional Privado, Ensaios – Vol. II,
Coimbra: Almedina, 2005, pp. 291/316, 317/353, e 389/402, o último estudo
em edição mais recente, a ser considerado nas próximas citações deste trabalho,
in Homenagem ao Prof. Doutor André Gonçalves Pereira, Coimbra: Coimbra,
2006, pp. 1081/1093.
No Brasil, como em outros países5 , buscam-se soluções para
problemas que afetam a qualidade da tutela jurisdicional prestada.
Um dos problemas é o do tempo do processo, que se alarga também
na medida da quantidade de processos acumulados, de sua
complexidade e de sua natureza adversarial. Outro problema é o
custo6, que igualmente aumenta na medida da duração do processo7 .
Estes problemas verificam-se em detrimento do efetivo acesso à
Justiça, seja porque de um lado não se encontram soluções céleres e
pouco custosas para os litígios que se apresentam, seja porque de
outro lado, muitos litígios deixam de ser resolvidos porque sequer
são levados ao Tribunal.
5 Susana Figueiredo Bandeira, obra citada, p. 105, ao realizar um estudo sobre
Portugal, menciona as experiências já desenvolvidas em países como Estados
Unidos, Canadá, Brasil e Argentina. Na mesma linha, João Pedroso, Catarina
Trincão e João Paulo Dias, obra citada, pp. 53/132, mencionam as experiências
de Portugal, Estados Unidos, Inglaterra, País de Gales e França.
6 Cfr. José Luis Bolzan de Morais, Mediação e Arbitragem – Alternativas à
Jurisdição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, pp. 147/148.
7 Naturalmente, há outras questões que poderiam ser levantadas. Os problemas
da prestação da tutela jurisdicional pelo Estado são complexos e, diante da
delimitação do tema, não poderiam ser aprofundados neste relatório.
A mediação e a conciliação, reconhecidos pela doutrina como meios
alternativos de resolução de litígios8 apresentam-se como tentativas
de solução para estes problemas, o que justifica a tendência já
mencionada para sua adoção nos diversos ordenamentos jurídicos.
Ciente destes problemas e firme na busca de soluções, o Poder
Judiciário brasileiro reforça a tendência para o recurso aos meios
alternativos de solução de litígios. O Conselho Nacional de Justiça CNJ9
lançou em 23/08/2006 um Projeto denominado “Movimento
pela Conciliação”, sob o slogan “Conciliar é legal”. No seu Manual
de Implementação10 , o CNJ estabelece que os mecanismos,
acessíveis a todos os cidadãos, buscam a realização de acordos tanto
nos processos já em tramitação, como nos litígios que se encontram
ainda na fase pré-processual, buscando diminuir o número de
processos e o seu tempo de duração. O procedimento deve ser
simples, informal, rápido, econômico e seguro.
Percebe-se, portanto, a importância da identificação e do estudo dos
princípios gerais aplicáveis a estes processos alternativos de solução
dos litígios, como diretrizes que devem ser observadas para que a
mediação e a conciliação possam cumprir eficazmente os objetivos a
que se propõem.
8 As expressões “meios alternativos de resolução de litígios” (MARL) e
“resolução alternativa de litígios” (RAL) encontram origem na expressão de
origem inglesa “alternative dispute resolution” (ADR), conforme Dário Moura
Vicente, Mediação Comercial Internacional, obra citada, p. 1083, e Susana
Figueiredo Bandeira, “A Mediação como Meio Privilegiado de Resolução de
Litígios”. in Julgados de Paz e Mediação – Um Novo Conceito de Justiça.
Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 2002, p.
104.
9 Órgão do Poder Judiciário, conforme artigo 92, inciso I-A, da Constituição
Federal, acrescentado pela Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de
2004.
10 Fonte: http://www.conciliar.cnj.gov.br/conciliar/index.jsp, acesso em
27/06/2007.
Com o fim de identificar os princípios gerais aplicáveis aos
processos de mediação e de conciliação no sistema jurídico
brasileiro, busca-se localizar previamente, nesta legislação, os
principais dispositivos que os disciplinam.
Na seqüência, procura-se resolver a questão sobre a distinção ou
identidade dos processos de mediação e de conciliação, bem como
indicar uma definição geral para estes meios de resolução de litígios
retirada deste mesmo arcabouço jurídico. Percebe-se, à partida, que
ainda não há na legislação brasileira uma definição direta de
mediação e de conciliação, como se verifica em outros países11 .
Nestas condições, a definição deve ser construída a partir das leis que
disciplinam a matéria.
Esta tarefa constitui uma primeira aproximação ao tema e, ao mesmo
tempo, serve como base para o seu desenvolvimento na identificação
dos princípios que passam a ser enunciados. A cada princípio
analisado, busca-se estabelecer quais são as sanções ou
conseqüências pela sua não observância.
Na elaboração deste trabalho, adota-se um método indutivo, com o
qual se parte de um ordenamento jurídico específico em direção aos
princípios gerais da mediação e da conciliação. Como já
11 Por exemplo, a definição de mediação do artigo 35º/1 da Lei 78/2001, de 13
de Julho, que em Portugal regula a competência, organização e funcionamento
dos Julgados de Paz e a tramitação dos processos da sua competência. No
Brasil, há na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.827, de 1998, de autoria
da deputada Zulaiê Cobra (fonte:
http://www2.camara.gov.br/proposicoes, acesso em 29/06/2007), que
define a mediação como “a atividade técnica desenvolvida por terceira pessoa,
que escolhida ou aceita pelas partes interessadas, as escuta e orienta com o
propósito de lhes permitir que, de modo consensual previnam ou solucionem
conflitos.” No Substitutivo aprovado pelo Senado Federal, de autoria do
Senador Pedro Simon, define-se a mediação como “a atividade técnica exercida
por terceiro imparcial que, escolhido ou aceito pelas partes interessadas, as
escuta, orienta e estimula, sem apresentar soluções, com o propósito de lhes
permitir a prevenção ou solução de conflitos de modo consensual” (fonte:
http://www.senado.gov.br, acesso em 30/06/2007).
mencionado, o ordenamento jurídico escolhido, onde se apóiam tais
princípios, é o da República Federativa do Brasil.
Conforme esclarece KARL LARENZ12, se os princípios servem, de
certo modo, como alicerces de um sistema, então não se pode tratar
de um sistema dedutivo, partindo de um enunciado geral para o
particular. Conceitualmente, o princípio é antes uma idéia diretiva
que serve de base para os seus subprincípios, sendo que ambos se
esclarecem reciprocamente.
Por seu turno, MIGUEL REALE13 esclarece que há múltiplas
doutrinas a respeito da origem e do fundamento dos princípios gerais
de direito, mencionando as três principais correntes, que os
encontram no direito pátrio, no direito comparado e no direito
natural. O autor, depois de expor sobre cada uma destas correntes,
conclui afirmando que não há razões de conflito e que as três visões
não envolvem uma opção, porque em geral há uma coincidência
entre os princípios por estes três modos. Esclarece, quanto ao
método, que autores que adotam a corrente de Direito Pátrio,
entendem que os princípios gerais de direito estão implícitos na
legislação de cada País, e dela são extraídos através de um processo
de indução e abstração.
O mesmo autor prossegue afirmando que, em suma, há princípios
gerais de direito de diversa gradação, uns universais, outros
pertencentes a mais de um ordenamento jurídico, e outros ainda do
Direito pátrio. Dentro deste último, há “faixas normativas” que
dispõem de princípios próprios (Direito Civil, Direito Processual,
dentre os exemplos citados). Nesta linha de raciocínio, é possível
concluir que dentro destas “faixas normativas” há outras ainda
menores como, por exemplo, a legislação específica sobre mediação
e conciliação. Por isto, entende-se que neste conjunto de normas
jurídicas há princípios implícitos, e que podem ser extraídos pelo
mesmo método.
12 Metodologia da Ciência do Direito, 3ª edição, tradução de José Lamego,
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 676.
13 Lições Preliminares de Direito, 10ª edição, Coimbra: Almedina, 1982, pp.
299/313.
Nesta linha, portanto, que o presente trabalho busca identificar e
analisar os princípios gerais aplicáveis aos processos de mediação
e conciliação, que têm relação direta com aquilo que o acordo
deles resultante necessita para ser válido, e reconhecido como tal.
2. A mediação e a conciliação na legislação brasileira
Para permitir uma melhor visualização do quadro legislativo
regulador dos processos, atualmente encontrado, o estudo é
sistematizado de modo a indicar os dispositivos que regulam a
mediação e a conciliação desenvolvidas em dois âmbitos: a) dentro
do âmbito dos Tribunais judiciais; b) fora do âmbito dos Tribunais
judiciais14 .
2.1. Processo no âmbito dos Tribunais judiciais
O Código de Processo Civil trata da conciliação realizada perante o
juiz, em diversos artigos.
14 Divisão semelhante foi adotada por Evelyne Serverin em relatório
apresentado em 2001 ao Comitê de Peritos sobre a eficácia da justiça, conforme
mencionam João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias, obra citada, p.
55. O mencionado relatório também distingue a mediação efetuada à “sombra
do tribunal”, como sendo aquela que tem início após instaurado o processo
judicial, com objetivo de por fim à instância sem julgamento e prevenir litígios
ulteriores. No entanto, para o fim aqui pretendido, que é a identificação dos
dispositivos legais que regulamentam a mediação e a conciliação, não se adota
a terceira distinção que fica então abrangida pela mediação realizada fora do
âmbito dos tribunais judiciais. Este trabalho considera apenas o âmbito no qual
efetivamente o processo se realiza, enquanto aquele relatório faz a classificação
segundo as espécies de litígios.
No procedimento sumário, observado nas causas cujo valor não
exceda a sessenta vezes o salário mínimo15 ou nas causas de qualquer
valor enumeradas nas alíneas do inciso II do artigo 275 do CPC, de
natureza patrimonial e disponível, deve o juiz desde logo designar
audiência de conciliação (artigo 277, CPC). O não comparecimento
injustificado do réu à referida audiência importa em sua revelia e
confissão quanto à matéria de fato (parágrafo segundo). Por outro
lado, a conciliação a que cheguem as partes é reduzida a termo e
homologada por sentença. A lei autoriza o juiz a ser auxiliado por
um conciliador (parágrafo primeiro). As partes devem comparecer
pessoalmente ou ser representadas por preposto com poderes para
transigir (parágrafo terceiro). Não existindo acordo, o processo segue
seu trâmite (artigo 278).
Já no procedimento ordinário, o juiz também deve marcar audiência
preliminar quando o réu apresentar contestação, houver necessidade
de provas, e a causa versar sobre direitos que admitam a transação
(artigos 331, CPC). O objetivo principal desta audiência é a tentativa
de conciliação, tanto que se o direito em litígio não admitir
transação, ou se as circunstâncias da causa evidenciarem ser
improvável sua obtenção, o juiz pode desde logo sanear o processo e
ordenar a produção de provas (artigo 331, parágrafo 3º, CPC).
Ainda no procedimento ordinário, e quando o litígio versar sobre
direitos patrimoniais de caráter privado, o juiz deve tentar novamente
a conciliação, antes de iniciar a instrução do processo (artigos 447 a
449 do CPC). Mesmo nas causas relativas à família, a conciliação
tem lugar nos casos e para os fins em que a lei consente a transação.
O acordo é reduzido a termo, assinado pelas partes e homologado
pelo juiz, passando a valer como sentença.
15 Desde 01 de abril de 2007, o salário mínimo equivale a R$ 380,00.
Para além destas tentativas de conciliação exigidas pelos dispositivos
legais indicados, dispõe o inciso IV do artigo 125 do CPC que
compete ao juiz tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes.
A conciliação realizada perante o juiz também é prevista para os
litígios laborais, tanto de natureza individual como coletiva, em
vários dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho. O caput
do artigo 764 da CLT estabelece que estes litígios são sempre
sujeitos à conciliação, mesmo após encerrado o juízo conciliatório. O
dispositivo enfatiza que os juízes e os Tribunais do Trabalho devem
buscar sempre uma solução conciliatória dos conflitos (parágrafo
primeiro). As tentativas de conciliação no procedimento ordinário
devem ocorrer, obrigatoriamente, no início da audiência (artigo 846,
CLT) e logo após as razões finais das partes (artigo 850, idem). A
sentença somente é proferida após rejeitada a proposta de conciliação
(artigo 831, CLT), sendo que o termo de acordo vale como decisão
irrecorrível para as partes. No procedimento sumaríssimo laboral, o
juiz tentará a conciliação em qualquer fase da audiência, desde o seu
início (artigo 852-E, CLT). Também nos dissídios laborais coletivos,
a designação de audiência de conciliação é medida obrigatória
(artigo 860, CLT).
Os Juizados Especiais encontram suporte no inciso I do artigo 98 da
Constituição Federal e foram criados pelas Leis 9.099/95 e
10.259/01, neles atuando juízes togados e leigos com vista a
conciliar, julgar e promover a execução, nas causas cíveis de menor
complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo.
Também atuam nestes Juizados os conciliadores, considerados
auxiliares da Justiça (artigo 7º da Lei 9.099/95 e artigo 18 da Lei
10.259/01). De acordo com a Lei 9.099/95, o processo se instaura
pela apresentação do pedido (artigo 14), que uma vez registrado
impõe à Secretaria do Juizado a designação de sessão de conciliação
(artigo 16). Se o demandado não comparece a esta sessão, reputam-
se verdadeiros os fatos alegados no pedido, salvo se o contrário
resultar da convicção do juiz (artigo 20). A conciliação é conduzida
pelo juiz (togado ou leigo) ou por conciliador sob a sua orientação
(artigo 22). O juiz deve esclarecer às partes as vantagens da
conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do litígio,
especialmente quanto à limitação do valor de eventual direito que
possa ser reconhecido (artigo 21). As partes, não chegando a um
acordo, podem decidir recorrer à arbitragem (artigo 24). Não
instituído o juízo arbitral, o processo prossegue com instrução e
julgamento (artigo 27). Obtido o acordo, este é reduzido a escrito e
homologado pelo juiz togado, por sentença com eficácia de título
executivo (parágrafo único do artigo 22). Nos Juizados Especiais no
âmbito da Justiça Federal, os representantes judiciais da União
Federal, autarquias, fundações e empresas públicas federais ficam
autorizados a conciliar e transigir (parágrafo único do artigo 10 da lei
10.259/01).
Finalmente, o inciso II do artigo 98 da Constituição Federal ainda
prevê a criação pela União e pelos Estados da Justiça de Paz, com
competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de
ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de
habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter
jurisdicional. Este dispositivo constitucional ainda não foi
regulamentado.
Percebe-se, por todos estes dispositivos mencionados, a importância
conferida pelo legislador para a solução dos litígios através da
conciliação, quando estes são levados ao conhecimento do Poder
Judiciário.
2.2. Processo fora do âmbito dos Tribunais judiciais
O processo de conciliação, realizado fora do âmbito dos Tribunais
judiciais, somente é especificamente regulamentado pela legislação
brasileira nos litígios de natureza trabalhista16, tanto nos de natureza
individual como nos de natureza coletiva.
No âmbito dos conflitos individuais, a Lei 9.958/2000 criou as
Comissões de Conciliação Prévia, acrescentando à Consolidação das
Leis do Trabalho os artigos 625-A a 625-H. Estas Comissões, que
podem ser constituídas por empresas ou grupos de empresas e
sindicatos ou entre sindicatos, sempre com representação paritária,
com representantes dos empregados e dos empregadores, têm como
atribuição tentar a conciliação nos conflitos individuais de trabalho
(artigo 625-A). A independência dos membros da comissão é
garantida por um mandato de um ano, sendo permitida uma
recondução (artigo 625-B, inciso III). Além disto, findo o mandato
(parágrafo primeiro do inciso III do artigo 625), os representantes
eleitos dos trabalhadores têm garantia de emprego por mais um ano,
salvo se cometerem falta, nos termos da lei17. O conciliador continua
prestando serviços na empresa empregadora, afastando-se apenas
para as sessões de conciliação, que é considerado como tempo de
efetivo serviço (parágrafo segundo).
16 Cfr. Lília Maia de Morais Sales, Justiça e Mediação de Conflitos. Belo
Horizonte: Del Rey, 2003, p. 128.
17 Cfr. artigo 482 da CLT, que define os motivos que ensejam a rescisão do
contrato por justo motivo, por culpa do empregado.
Quanto ao procedimento, à partida, observa-se que qualquer
demanda deve ser submetida à tentativa de conciliação, se existir
Comissão de Conciliação Prévia na localidade da prestação de
serviços (artigo 625-D). O pedido é formulado por escrito ou é
reduzido a termo pelos membros da comissão (artigo 625-D,
primeiro parágrafo). Se as partes não chegam a um acordo, a
comissão fornece-lhes uma declaração para instruir a ação trabalhista
(idem, parágrafo segundo). Aceito o acordo, é lavrado um termo que
constitui título executivo extrajudicial e que tem eficácia liberatória
geral, salvo quanto às parcelas ressalvadas (artigo 625-E). O prazo
para realização da sessão conciliatória, de 10 dias (artigo 625-F),
suspende o prazo prescricional (artigo 625-G).
Não sendo possível a adoção do procedimento, a parte pode ajuizar a
ação diretamente, comunicando a impossibilidade na petição inicial
da ação trabalhista (artigo 625-D, parágrafo terceiro).
No âmbito dos conflitos coletivos de trabalho, a Constituição da
República estabelece que uma decisão jurisdicional do litígio
pressupõe tentativas frustradas de negociação coletiva ou de recurso
à arbitragem, e ainda assim, o comum acordo para ajuizamento do
dissídio coletivo de natureza econômica (parágrafos primeiro e
segundo do artigo 114, CF). A negociação coletiva pode ser
promovida diretamente (negociação em sentido estrito) ou através de
mediador (processo de mediação), conforme artigo 11 da Lei 10.192,
de 14 de fevereiro de 2001. O mediador é designado de comum
acordo pelas partes ou, a pedido destas, pelo Ministério do Trabalho
e Emprego (parágrafo primeiro) conforme regulamentação expedida
pelo Poder Executivo (parágrafo quinto). A parte que se considerar
sem as condições adequadas para, em situação de equilíbrio,
participar de negociação direta, pode requerer ao mesmo Ministério a
designação de mediador, que convoca a outra parte (parágrafo
segundo). O prazo para conclusão do processo é de até trinta dias,
salvo acordo expresso com as partes interessadas (parágrafo
terceiro). Quando as partes não chegam a um acordo, lavra-se uma
ata contendo as causas motivadoras do conflito e as reivindicações de
natureza econômica (parágrafo quarto). A Lei 10.192/2001 inspirou-
se no Decreto n. 1.572, de 28 de julho de 1995, que regulamenta a
mediação na negociação coletiva de natureza trabalhista e dá outras
providências, dela tirando algumas disposições, especialmente as
acima indicadas neste parágrafo. No mais, o indicado Decreto
estabelece que a mediação é gratuita quando o mediador é servidor
do quadro do Ministério do Trabalho, e onerosa quando o terceiro é
escolhido pelas partes dentre os mediadores previamente cadastrados
(art. 2º, parágrafo 3º, alíneas “a” e “b”). Para o cadastro, os
mediadores devem comprovar experiência na composição dos
conflitos de natureza trabalhista e conhecimentos técnicos relativos
às questões desta natureza (artigo 4º, parágrafo primeiro, alíneas “a”
e “b” do Decreto).
Também nas negociações coletivas visando a fixação de participação
nos lucros e resultados da empresa, trabalhadores e empregadores
podem resolver impasses delas resultantes através da mediação
(artigo 4º, inciso I, da Lei 10.101, de 19 de dezembro de 2000),
sendo que a escolha do mediador cabe às partes, de comum acordo
(parágrafo segundo).
Nos Tribunais arbitrais18, o parágrafo 4º do artigo 21 da Lei 9.307, de
23 de setembro de 1996, estabelece que incumbe ao árbitro ou ao
Tribunal arbitral tentar a conciliação entre as partes, no início do
procedimento. Se as partes chegam a um acordo, durante o
procedimento arbitral, este fato é declarado em sentença arbitral
(artigo 28), que produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos
efeitos de uma sentença judicial (artigo 31).
18 A sentença arbitral é classificada como um título executivo judicial pelo
inciso IV do artigo 475-N do CPC. Não obstante, considerado o critério da
divisão sistemática adotada, os dispositivos legais que tratam da conciliação
realizada perante os Tribunais arbitrais foram mencionados nesta segunda
divisão.
Os processos de mediação e de conciliação, fora do âmbito do
Tribunal, são assim realizados por órgãos públicos ou por
instituições particulares. Neste caso, o procedimento é aquele
definido pelas partes ou no próprio regulamento da instituição por
elas escolhida. Isto porque não há legislação processual
regulamentando esta espécie de mediação ou de conciliação. Nestas
atividades devem ser observadas as regras de Direito Civil,
nomeadamente as relativas aos contratos e à transação. Podem ser
mencionados, como exemplos de instituições particulares que
realizam a mediação e a conciliação no Brasil, dentre várias, a
Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo19, o Centro de
Referência de Mediação e Arbitragem -CEREMA20, o Instituto de
Mediação e Arbitragem do Brasil -IMAB21 , e o Centro de
Administração de Conflitos -MEDIARE22 . Estas duas últimas
instituições foram mencionadas na fundamentação (item II, análise)
do Substitutivo ao Projeto de Lei sobre mediação e conciliação
aprovado no Senado Federal.
Finalmente, há também o importante trabalho desenvolvido pelo
Ministério Público e pelas Defensorias Públicas, ao promoverem a
conciliação e a mediação de litígios, cujo acordo alcançado reflete-se
em termos de ajuste ou instrumentos de conciliação, que têm valor de
título executivo extrajudicial (artigo 585, II, CPC e artigo 876 da
CLT).
3. A mediação e a conciliação: distinção ou identidade
19 Fonte: http://www.camaradearbitragemsp.org.br, acesso em 02/07/07.
20 Fonte: http://www.cerema.org.br, acesso em 02/07/07.
21 Fonte: http://www.imab-br.org/2004.swf, acesso em 02/07/07.
22 Fonte: http://www.mediare.com.br/index.htm, acesso em 02/07/07.
A definição de mediação e de conciliação encontrada neste estudo
está baseada no conjunto dos dispositivos legais indicados. Como
pode ser notado, estes dispositivos tratam ora da mediação, ora da
conciliação. Esta circunstância enseja um imediato questionamento
sobre a distinção ou a identidade destes meios de solução de litígios.
Em outras palavras, é necessário estabelecer se a mediação e a
conciliação constituem um mesmo processo ou se constituem dois
processos distintos. Daí a importância de apresentar a definição
comum ou individualizada de mediação e de conciliação, em um
trabalho que busca investigar os princípios gerais que lhes são ao
mesmo tempo aplicáveis.
É possível notar que a legislação, ao dispor sobre o processo que se
desenvolve na presença do Juiz, em regra adota a expressão
conciliação. A legislação somente trata da mediação como meio de
solução de litígios coletivos de trabalho, que é desenvolvida fora do
âmbito do Tribunal.
No entanto, seguramente o âmbito onde se desenvolve o processo
não pode ser o critério de distinção entre a mediação e a conciliação.
Com efeito, o processo que se desenvolve perante as Comissões de
Conciliação Prévia, também fora do âmbito dos tribunais, é
conhecido como conciliação e não como mediação.
Ademais, é preciso notar que a mediação e a conciliação não são
institutos típicos e exclusivos da legislação brasileira. Em muitos
outros países a mediação e a conciliação são adotadas, dentro e fora
do âmbito dos Tribunais. Em Portugal, por exemplo, a Lei 78/2001,
de 13 de Julho, dispõe sobre a fase de mediação em processos da
competência do Julgado de Paz, que é reconhecido como Tribunal
pelo artigo 209º/2 da Constituição da República Portuguesa e, como
tal, é órgão de soberania com competência para administrar a justiça
em nome do povo (artigo 202º/1, CRP).
Portanto, não se pode limitar o conceito de mediação ao processo que
se desenvolve perante instituições particulares criadas para este fim.
Há controvérsia na doutrina quanto à existência de diferenças entre
as duas figuras. Alguns autores sustentam que não há diferenças
substanciais entre ambas23, justificando que elas se referem a uma
mesma atividade de um terceiro que procura facilitar a composição
de um litígio entre as partes. Outros, com a mesma conclusão,
sustentam que a doutrina que busca diferenciar a mediação da
conciliação não alcança um critério de distinção claro24 . Em prol
deste argumento, estes autores invocam as regras do Código do
Trabalho português, onde se verifica que as duas figuras têm
praticamente o mesmo regime. Afirmam, ainda, que alguns
dispositivos legais referem-se às duas figuras como sinônimas
(mencionando o artigo 33 do Código de Valores Mobiliários de
Portugal e artigos 16, 30 e 49 da Lei dos Julgados de Paz
portugueses).
23 Por exemplo, Dário Moura Vicente, Resolução Extrajudicial de Conflitos no
Sector Bancário, obra citada, p. 65. E, também, do mesmo autor, Meios
Extrajudiciais de Composição de Litígios Emergentes do Comércio
Electrônico, obra citada, p. 155.
24 Por exemplo, Luís de Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional – A
Determinação do Estatuto da Arbitragem, Coimbra: Almedina, 2005, p. 46.
De outro lado, alguns autores25 diferenciam as duas figuras
afirmando que o conciliador tem um papel mais ativo e participativo
que o mediador, porque aquele pode sugerir e propor soluções que as
partes aceitam ou não. Constitui papel do conciliador a realização de
propostas, a negociação e o empenho na busca do consenso entre as
partes, organizando e dirigindo a conciliação. Por sua vez, o
mediador assume o encargo de apenas aproximar e ajudar as partes a
encontrar, por si próprias, uma solução26 , sem nunca propor
sugestões e muito menos impô-las27. Entretanto, este critério léxico
não foi adotado em Portugal para a distinção. Basta ver que o artigo
34º/4 do Código dos Valores Mobiliários dispõe que o mediador
pode tentar a conciliação ou propor às partes a solução que lhe
pareça mais adequada. Mesmo o Código do Trabalho português que
parece a princípio fazer distinção entre as duas figuras, tanto que
destina seções específicas para cada uma delas, dispõe que o
mediador deve remeter às partes a sua proposta por carta registrada
no prazo de 30 dias a contar de sua nomeação.
Em conclusão, acolhe-se a tese defendida pelos autores que não
vislumbram diferenças substanciais entre mediação e conciliação, e
que a doutrina contrária, de fato, não apresenta um critério claro de
distinção. Esta mesma conclusão pode ser aplicada ao Brasil.
Deste modo, os princípios gerais enunciados neste trabalho aplicam-
se tanto à mediação como à conciliação. Partindo da legislação
brasileira relacionada, e para os efeitos deste estudo, a mediação e a
conciliação são definidas como meios consensuais para a solução de
litígios alcançada pelas próprias partes através da negociação
auxiliada pela intervenção de um terceiro, para este fim qualificado.
25 Como exemplo, Susana Figueiredo Bandeira, obra citada, p. 108, e Lília
Maia de Morais Sales, Mediare: Um Guia Prático para Mediadores, 2ª edição,
Fortaleza: Universidade de Fortaleza, 2004, p. 28.
26 Cfr. Susana Figueiredo Bandeira, obra citada, p. 116.
27 Também cfr. Susana Figueiredo Bandeira, obra citada, p. 117.
Trata-se de meio consensual, que se distingue dos meios
adjudicativos, porque a solução do litígio não advém de uma decisão
imposta às partes por um terceiro28 . Pelo contrário, a solução é
construída pelas próprias partes, através da negociação. A
intervenção do terceiro limita-se a auxiliar as partes neste mister,
sem impor a solução final29 .
4. Princípios gerais aplicáveis à mediação e à conciliação
Os princípios gerais aplicáveis tanto à mediação quanto à
conciliação, realizadas dentro ou fora do âmbito dos Tribunais, são
concretizações de outros princípios maiores, que podem ser
induzidos a partir da Constituição da República ou a partir da
legislação infraconstitucional. Por outro lado, são princípios que não
coincidem com aqueles previstos para os processos adjudicativos30 ,
onde o terceiro interveniente produz uma decisão para solução do
litígio. Assim, a mediação e a conciliação têm princípios próprios,
considerando-se que são meios não adversariais de resolução de
litígios, onde a solução é construída pelas próprias partes.
28 Cfr. João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias, Por Caminhos da(s)
Reforma(s) da Justiça, Coimbra: Coimbra, 2003, p. 54.
29 Cfr. Juan Carlos Vezzulla, Teoria e Prática da Mediação, 2ª edição, Curitiba:
CDD, 1998, p. 16.
30 Cfr. a classificação de João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias,
obra citada, p. 54.
Os princípios enunciados devem considerar que o Brasil constitui-se
em um Estado Democrático de Direito (artigo 1º, CF), que tem como
fundamentos valores como a cidadania (inciso II) e a dignidade da
pessoa humana (inciso III), e possui como objetivos a construção de
uma sociedade livre, justa, solidária e não discriminatória (artigo 3º,
incisos I e IV).
Interessa ao Estado de Direito a segurança jurídica e paz social e,
desta forma, que os conflitos decorrentes da vida em sociedade
possam ser por todos resolvidos de forma justa e eficaz, o que
representa um exercício de cidadania e de democracia.
4.1. Princípio da autonomia privada
O individualismo e o liberalismo que imperavam no início do século
passado inspiravam autores como Gounot, seguindo a filosofia de
Kant, a reconhecer o princípio da autonomia da vontade, expressão
que hoje tende a ser substituída pelo princípio da autonomia
privada31. Assim, a vontade do homem, livremente exercida, permitia
que este assumisse obrigações e definisse ilimitadamente os negócios
jurídicos, inclusive o seu conteúdo. A autonomia privada não retira
do homem a liberdade, mas determina que o exercício deste direito
observe certos limites e finalidades, como por exemplo, a função
social do contrato.
Em relação à mediação e à conciliação, o princípio da autonomia
privada alcança evidente e inocultável importância, pois possibilita a
própria existência destes meios de solução de conflitos. As partes
decidem adotar a mediação e a conciliação para por fim ao litígio
existente ou para prevenir um litígio futuro e, após, decidem
entabular ou não o acordo, sempre como fruto da válida
manifestação da própria vontade.
31 Cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil – Princípios Fundamentais,
Lisboa: Lex, 1997, pp. 111 e seguintes.
Com efeito, o princípio da autonomia privada, nestes termos
considerado, permite que as partes possam resolver suas
controvérsias por si mesmas, sem afronta ao princípio constitucional
da inafastabilidade da jurisdição, previsto no inciso XXXV do artigo
5º da Constituição Federal, segundo o qual a lei não pode excluir da
apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
Porém, não basta que se diga que a solução das controvérsias decorrado exercício da vontade do homem. É preciso que esta vontade seja
real, livre de vícios. Nesta linha, há autores que se referem ao
princípio da autodeterminação, em razão do qual o acordo entre as
partes é sempre obtido de forma voluntária, sem imposições ou
coerção, permitindo aos participantes abandonar o processo a
qualquer momento32 . A vinculação de cada parte ao contrato
(transação, neste caso) está apoiada na sua própria vontade, na sua
autodeterminação33 . Outros autores34 referem-se ao princípio da
liberdade e ao princípio do poder de decisão, justificando que as
partes devem ter liberdade para resolver os conflitos pela mediação,
sem ameaça ou coação, já que somente a estas cabe o poder de
decidir como o conflito será solucionado. Como se observa, apesar
da aparente divergência inicial, não há diferença substancial quanto
ao conteúdo do princípio ora sob análise. Adota-se, no presente
trabalho, o princípio da autonomia privada que considera todos estes
aspectos, nomeadamente a vontade do homem, livremente exercida
até o limite admitido pelo ordenamento jurídico, sem vícios de
consentimento dos interessados.
32 Por exemplo, José Luis Bolzan de Morais, obra citada, p. 159.
33 Cfr. Karl Larenz, Derecho Justo, Fundamentos de Ética Jurídica, tradução de
Luis Díez-Picazo, Madrid: Civitas, 1985, p.67.
34 Dentre os quais, Lília Maia de Morais Sales, Mediare: Um Guia Prático para
Mediadores, obra citada, p. 23.
Não se encontra na Constituição Federal um dispositivo expresso que
consagre o princípio da autonomia privada. Este princípio é uma
concretização do direito de liberdade (artigo 5º, CF), que à partida
não constitui um direito absoluto. A autonomia privada encontra
limites uma vez que a ordem jurídica não pode admitir tudo o que for
estipulado pelas partes35 . Seu exercício deve considerar outros
princípios ou valores constitucionais, como a igualdade, a justiça e
especialmente a promoção do bem de todos (artigo 3º, CF). Ainda, o
direito de liberdade limita-se pelo princípio da legalidade (inciso II
do artigo 5º, CF). A liberdade contratual tem, portanto, vários
limites, entre eles uns que decorrem de outros princípios e outros que
decorrem da mesma idéia de autodeterminação, sendo que neste caso
nenhuma pessoa pode declarar sua vontade apenas em razão de sua
inferioridade econômica ou por sua dependência em relação à outra
parte36 .
Sob a ótica do direito material, a autonomia privada, considerada um
princípio fundamental do Direito Privado, define o objeto da
transação obtida através da mediação e da conciliação. Neste sentido,
dispõe o 421 do Código Civil brasileiro que a liberdade de contratar
deve ser exercida em razão e nos limites da função social do
contrato. Este dispositivo é aplicável à transação que, pelo Código
Civil, é sistematicamente considerada como uma das espécies de
contrato, no Livro dedicado ao Direito das Obrigações.
A transação é o objeto possível dos processos de mediação e de
conciliação. De fato, dispõe o artigo 840 do Código Civil que os
interessados podem prevenir ou terminar litígios mediante
concessões mútuas. Entretanto, somente se admite a transação em
relação a direitos patrimoniais de caráter privado (artigo 841, CC).
35 Cfr. José de Oliveira Ascensão, O Direito – Introdução e Teoria Geral, 13ª
edição, Coimbra: Almedina, 2005, p. 75.
36 Neste sentido, Karl Larenz, Derecho Justo, obra citada, p. 74.
Os dispositivos já mencionados do CPC, que determinam ao juiz a
designação de audiência conciliatória, fazem remissão aos direitos
que podem ser objeto de transação (por exemplo, o artigo 331), ou
referem-se a direitos patrimoniais de caráter privado (por exemplo, o
artigo 447).
Mesmo nas mediações e conciliações promovidas por instituições
particulares, a transação obtida deve observar as limitações legais
impostas à vontade das partes, sob pena de, se eventualmente
necessário, o direito não ser publicamente reconhecido.
Sob a ótica do direito processual, as partes de um litígio podem
decidir resolvê-lo sem recorrer aos meios judiciais, escolhendo uma
instituição particular para promover a conciliação e a mediação.
Sendo esta a escolha, as partes acabam por escolher inclusive o
procedimento a ser adotado, seja por prévia delimitação consensual,
seja pela escolha de uma instituição que deve antecipadamente fazer
publicar os seus regulamentos. Da mesma forma, podem escolher os
conciliadores e os mediadores, com grande liberdade de atuação.
Não obstante, mesmo quando a conciliação ou a mediação realiza-se
no âmbito dos tribunais, como fase do processo, ou quando se realiza
fora deste âmbito por exigência da lei, não se afasta a aplicação da
autonomia privada. A cooperação das partes é pressuposto
fundamental para a existência e o sucesso dos processos da mediação
e da conciliação.
Quando as partes não desejam efetivamente resolver o litígio e
deixam de colaborar com o processo, este tende a ser algo
completamente inútil ao fim a que se destina37 . A “nãocompetitividade”
chega a ser tratada como princípio por parte da
doutrina38, que sustenta que não se pode incentivar a competição
entre as partes que devem cooperar para o benefício de ambas. Em
que pese a importância deste requisito do processo que é a
colaboração das partes, acredita-se que ele seja uma concretização doprincípio da autonomia privada. É da vontade das partes que decorre
a sua colaboração para o êxito do processo.
Interessa ao Estado Democrático de Direito a implementação do
diálogo na conquista da paz social. Interessa-lhe ainda que os litígios
por ventura existentes sejam eficazmente resolvidos. Nestas
condições, o legislador estabelece a conciliação como uma das fases
do processo judicial ou, ainda, como fase pré-processual. Entretanto,
pelo princípio da autonomia privada, o Estado não pode obrigar as
partes à realização do acordo. O terceiro que participa do processo
com o intuito de auxiliar as partes, não pode impor-lhes uma solução,
nem obrigá-las a uma transação. São as partes que, por si mesmas e
através da negociação, constroem a solução do litígio. A recusa das
partes à conciliação não pode lhes causar nenhum prejuízo, senão o
prosseguimento do feito ou o ajuizamento de ação sucessiva, com a
decisão do litígio pelo tribunal.
O Estado coloca à disposição das partes a possibilidade de resolução
amigável dos litígios envolvendo direitos patrimoniais de direito
privado. Mas as partes têm ampla autonomia para resolver ou não o
litígio através da transação.
37 Cfr. Dário Moura Vicente, Mediação Comercial Internacional, obra citada, p.
1.085.
38 Lília Maia de Morais Sales, Mediare: Um Guia Prático para Mediadores, obra
citada, p. 23.
Ainda sob o aspecto processual, as partes nem sempre escolhem os
conciliadores ou mediadores, especialmente quando estes são
indicados pelo Estado ou pelas instituições particulares escolhidas
pelas partes. Mas, neste caso, o princípio da autonomia privada
também se concretiza pela possibilidade de afastar o terceiro
indicado. Este direito deve ser exercido pelas partes de maneira
fundamentada, e sempre considerando um outro princípio: o da boa-
fé. Nos processos realizados no âmbito dos Tribunais, o direito
motivadamente exercido encontra amparo nos artigos 134, 135, 304
e 312 a 314 do CPC, e artigos 799 a 802 da CLT, que tratam das
causas de impedimento ou suspeição do juiz, bem como do
procedimento a ser observado para vê-las reconhecidas. O mesmo
procedimento deve ser observado em outras normas que
regulamentem a mediação e a conciliação. Na omissão normativa, o
princípio da autonomia privada deve ser aplicado para suprir a
lacuna.
Nestas condições, a não observância do princípio da autonomia
privada nos processos de mediação e conciliação enseja duas
conseqüências imediatas, já que para além de seus limites há a
ilicitude39: a) não reconhecimento do acordo firmado através destes
processos pela ordem jurídica; b) responsabilidade pelos danos daí
decorrentes.
4.2. Princípio da boa-fé
39 Cfr. Pedro Manuel de Melo Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito
Civil, 3ª edição, Coimbra: Almedina, 2005, pp. 263.
Assim como ocorre com a autonomia privada, muito mais poder-seia
dizer a respeito da boa-fé, haja vista a diversidade e a
profundidade dos estudos já realizados sobre estes temas. Trata-se a
boa-fé de um princípio geral que se aplica em qualquer ramo,
particularmente às conjunturas de relação40. Entretanto, este estudo
deve observar o limite da aplicação do princípio da boa-fé aos
processos de mediação e de conciliação.
40 Cfr. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, Vol. III Relações
e Situações Jurídicas, Coimbra: Coimbra, 2002, p. 177.
De uma forma geral, a boa-fé é considerada em duas concepções ou
perspectivas, uma subjetiva e outra objetiva41. Em síntese, seguindo
esta classificação, a boa-fé subjetiva é um estado de ignorância sobre
a lesão que causa um sujeito a interesses de outrem em determinada
situação jurídica, e pode ser subdividida em psicológica ou ética. No
primeiro caso, há mero desconhecimento por parte do sujeito,
enquanto no segundo caso o estado de ignorância é desculpável (não
reprovável, porque o agente observou deveres de cuidado). Pela
mesma classificação, a boa-fé objetiva constitui a obrigação de agir
ou comportar-se segundo determinados padrões de retidão e
honestidade, de modo a não frustrar a expectativa da outra parte. Esta
última é a concepção mais importante relativamente aos processos de
mediação e de conciliação.
O Estado Democrático de Direito exige a preservação da segurança,
princípios expressamente estampados na Constituição Federal
(artigos 1º e 5º) que, por sua vez, induzem outros subprincípios,
dentre os quais o princípio da confiança e, sucessivamente, o
princípio da boa-fé42. A confiança é considerada como valor ético-
jurídico que fundamenta o princípio da boa-fé43, e é protegida pelo
41 A classificação e as definições indicadas neste parágrafo são adotadas e
melhor esclarecidas por Fernando Manuel Pereira de Noronha, O Direito dos
Contratos e seus Princípios Fundamentais: Autonomia Privada, Boa-fé, Justiça
Contratual, São Paulo: Saraiva, 1994, pp. 131 e seguintes; José de Oliveira
Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, obra citada, pp. 178 e seguintes; e
Pedro Manuel de Melo Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil,
obra citada, pp. 21 e seguintes.
42 Cfr. Lília Maia de Morais Sales, Mediare: Um Guia Prático para Mediadores,
obra citada, p. 24, a boa-fé deve marcar a presença de todos que participam do
processo, sob pena de não se conseguir um diálogo franco e justo. Também
sobre a relação entre o princípio da confiança e o da boa-fé, ver Karl Larenz,
Derecho Justo, obra citada, pp. 90/98.
43 Cfr. Fernando Manuel Pereira de Noronha, O Direito dos Contratos e seus
Princípios Fundamentais: Autonomia Privada, Boa-fé, Justiça Contratual, obra
citada, p. 148.
ordenamento jurídico por constituir condição fundamental para a paz
jurídica44 .
Enquanto meios para solução de litígios, os processos de mediação e
de conciliação devem observar, portanto, o princípio da boa-fé em
todas as suas fases, desde a escolha do processo até o final
cumprimento do acordo por ele obtido45 .
O princípio da boa-fé deve reger todos os atos daqueles que
participam do processo, nomeadamente as partes e o terceiro
conciliador ou mediador. Estes se obrigam a agir com lealdade e
probidade, tanto na exposição dos fatos com observância da verdade,
quanto no comportamento tendente à efetiva solução do litígio, com
observância do respeito mútuo e da retidão de comportamento. Não
se admitem comportamentos meramente dilatórios. Percebe-se
mesmo que este princípio está relacionado com a colaboração das
partes46 .
44 Cfr. Karl Larenz, Derecho Justo, obra citada, p. 91.
45 Muito embora se referindo ao Processo Civil, o enunciado apresentado por
Rui Portanova, in Princípios do Processo Civil, 6ª edição, Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2005, p. 156, segundo o qual, “todos os sujeitos do
processo devem manter uma conduta ética adequada, de acordo com os deveres
de verdade, moralidade e probidade em todas as fases do procedimento”, é
perfeitamente aplicável aos processos de mediação e de conciliação.
46 Cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil -Princípios Fundamentais,
obra citada, pp. 69 e ss.
A transação obtida pela mediação e pela conciliação deve
naturalmente observar o princípio da boa-fé. Neste sentido, o artigo
113 do Código Civil dispõe que os negócios jurídicos devem ser
interpretados conforme a boa-fé. A lei considera ato ilícito o
exercício de um direito de forma que exceda manifestamente os
limites impostos pela boa-fé (artigo 187, CC). Especificamente em
relação aos contratos, dentre os quais se encontra a transação, a lei
obriga aos contratantes a observância do princípio da boa-fé, tanto na
conclusão como na execução do contrato (artigo 422, CC). Além
destes dispositivos específicos, mais precisamente relacionados com
o objeto desta pesquisa, vários outros tratam da observância da boa-
fé no Código Civil. Estes dispositivos do Código Civil obrigam os
participantes de processos realizados dentro e fora do âmbito dos
Tribunais.
Especificamente em relação à mediação e à conciliação realizadas no
âmbito dos tribunais, o princípio concretiza-se por deveres legais
impostos não apenas às partes. O artigo 14 do CPC dispõe que as
partes, e todos aqueles que de qualquer forma participam do
processo, devem proceder com lealdade e boa-fé, abstendo-se de
praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do
direito. Todos estes deveres estão relacionados com o princípio da
boa-fé, porque constituem padrões de ação e comportamento. Em
sentido contrário, por exemplo, a parte que se dispõe a participar de
um processo de mediação e conciliação, apenas com o objetivo de
ganhar tempo, não querendo realmente negociar, mas tão-somente
retardar a efetiva solução do litígio, age com evidente e inocultável
má-fé.
A não observância do princípio da boa-fé pode gerar diversas
conseqüências jurídicas, desde a prematura interrupção pelas partes
ou pelo mediador ou conciliador das negociações, passando pela
responsabilidade civil47 e pela responsabilidade processual do agente
47 Cfr. José de Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, obra citada, p.
179.
de má-fé, podendo chegar até a nulidade ou anulabilidade do acordo
firmado pelas partes48 .
Naturalmente, se uma das partes notar que a contraparte está a agir
com má-fé, irá abandonar o processo, certamente procurando outros
meios para solução do litígio. O mediador ou conciliador, fora do
âmbito do tribunal, igualmente deverá colocar fim ao processo se
alguma das partes estiver agindo de má-fé, posto que neste caso a
mediação e a conciliação não atingirão seu intento.
Constitui ato ilícito o exercício de um direito com manifesto excesso
dos limites impostos pela boa-fé (artigo 187 do CC). Neste caso,
portanto, a atuação de má-fé em processos de mediação e de
conciliação, que cause dano a terceiro, também deve justificar a sua
responsabilidade civil. Também o conciliador ou o mediador, quando
no exercício de sua função, cometer ato ilícito a causar danos a
alguém, ferindo os padrões exigidos pela boa fé, está sujeito à
responsabilidade civil (artigos 186 e 927 do CC) e profissional
(código de ética profissional).
No âmbito dos tribunais, o juiz deve proferir sentença que obste aos
objetivos das partes se ficar convencido de que estas se servem do
processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei
(artigo 129 do CPC).
Nos processos perante os tribunais há responsabilidade da parte que
atuar de má-fé pelo pagamento de multa e também de indenização
pelos prejuízos sofridos, além de honorários advocatícios e despesas
efetuadas (artigo 18 do CPC).
48 Fernando Manuel Pereira de Noronha, obra citada, p. 150.
Tema de grande amplitude é o da nulidade e da anulabilidade dos
negócios jurídicos, cuja análise, ainda que sintética, não seria
possível neste trabalho. É certo afirmar, porém, que a má-fé de uma
ou das duas partes na realização de um acordo pela mediação ou pela
conciliação pode ser nulo ou anulável, na forma do regime da
invalidade dos negócios jurídicos, conforme estabelecem os artigos
166 e seguintes do Código Civil.
4.3. Princípio da confidencialidade
O princípio da confidencialidade pode ser induzido a partir dos
princípios da segurança jurídica, da confiança e, especialmente, do
princípio da autonomia privada, na medida em que sua aplicação e
seus limites podem ser estabelecidos pelas partes49, diretamente ou
através da escolha de um regulamento de instituição privada criada
para promover mediações e conciliações. Atualmente, a
confidencialidade encontra fundamento principal no acordo de
mediação firmado pelas partes50 , posto que ainda não há lei
expressamente estabelecendo a sua observância.
49 Segundo José Luis Bolzan de Morais, obra citada, p.27, a mediação deve ser
realizada em ambiente secreto, salvo se outra for a vontade das partes.
50 Klaus Reichert, Confidencialidade da Mediação Internacional, in Resolução
Alternativa de Litígios – Colectânea de Textos Publicados na
NewsletterDGAE. Lisboa: Agora Comunicação, 2006, p. 172, trata da
necessidade do acordo de mediação, mas ressalta que há países em que apenas
o acordo não é suficiente para garantir a confidencialidade. Também Zuleima
D. Wilde e Luis M. Gaibrois, O que é mediação, Tradução por Soares Franco
– Gabinete de Tradutores e Intérpretes, Ltd. Lisboa: Agora Publicações, 2003,
p. 64, esclarecem da necessidade de um acordo de confidencialidade.
Muito embora o inciso III do artigo 36 da Lei Complementar 35/79
proíba o magistrado de manifestar, por qualquer meio de
comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou
de outrem, pode-se dizer que o princípio da confidencialidade não se
aplica às conciliações realizadas no âmbito dos Tribunais, posto que
confronta com outro princípio aplicável aos processos dirigidos por
juízes: o princípio da publicidade (inciso IX do artigo 93 da CF). As
partes também não estão submetidas a este dever imposto pela Lei
Orgânica da Magistratura.
Na conciliação conduzida pelo juiz o princípio da confidencialidade
não se aplica primeiramente porque, em regra, o mesmo juiz que
promoveu a conciliação poderá, ao final, julgar o processo.
Naturalmente os argumentos utilizados na negociação, por exemplo,
serão de conhecimento do juiz no momento da sentença. Este
circunstância revela a importância do princípio, já que neste caso as
partes não se sentem à vontade para conversar com o juiz nas
mesmas condições em que conversariam com o mediador ou
conciliador em processo sujeito à observância deste princípio51. Além
disto, os atos processuais são públicos, na forma do artigo 155 do
CPC, salvo exigência de interesse público e causas que dizem
respeito a algumas questões de Direito de Família. Em semelhante
sentido, os artigos 770 e 813 da CLT dispondo sobre a publicidade
dos atos processuais e das audiências, nas ações trabalhistas.
51 Cfr. Albertina Pereira, A Mediação e a (nova) Conciliação, in Resolução
Alternativa de Litígios – Colectânea de Textos Publicados na
NewsletterDGAE. Lisboa: Agora Comunicação, 2006, p.195.
O fato deste princípio não ser aplicável, em termos, às conciliações
promovidas no âmbito dos Tribunais, importa questionar a sua
característica de princípio geral52 . Não obstante trata-se de um
princípio que rege os processos de mediação e de conciliação fora do
âmbito dos tribunais, e dada à sua importância deve ser objeto
análise. O sigilo em que todo o processo se desenvolve é considerado
pela doutrina como característica própria da mediação53 , e uma
condição sem a qual a mediação não poderia ser eficaz porque não
incentivaria a colaboração das partes com o mediador54 .
52 É certo que tampouco se trata de um princípio com consagração universal,
conforme leciona Dário Moura Vicente, Mediação Comercial Internacional,
obra citada, p. 1090. Lilia Maia de Morais Sales, Mediare – Um Guia Prático
para Mediadores, obra citada, p. 23, também esclarece que os princípios da
mediação podem variar de país para país, mas há consenso sobre alguns deles,
mencionando, dentre os quais, o princípio da confidencialidade.
53 Dentre os vários autores, por exemplo, Albertina Pereira, A Mediação e a
(nova) Conciliação, obra citada, p.193.
54 Cfr. Klaus Reichert, Confidencialidade da Mediação Internacional, obra
citada, p. 171.
Ademais, a atual realidade pode ser em breve parcialmente alterada,
pela aplicação do princípio também às mediações realizadas por
mediadores no âmbito dos Tribunais, nos termos do Substitutivo do
Projeto de Lei da Mediação, aprovado no Senado Federal e
atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados55. Conforme artigo
34 deste Projeto, a mediação incidental será obrigatória nos
processos de conhecimento, salvo em determinados casos. Pelo
projeto, a mediação será sigilosa e o mediador deve proceder com
confidencialidade (artigos 6º e 13º), salvo por expressa convenção
das partes (princípio da autonomia privada, já mencionado).
55 O Projeto de Lei n. 4.827 foi apresentado pela Deputada Zulaiê Cobra em
10/11/98, na Câmara dos Deputados. Após ter sido aprovado nesta Casa
Legislativa, o projeto foi encaminhado ao Senado Federal em 29/11/02, na
forma do artigo 65 da Constituição da República. No Senado, o Senador Pedro
Simon apresentou um substitutivo ao projeto, que foi aprovado. Como
conseqüência, em 13/07/06 o projeto retornou à Câmara dos Deputados, onde
foi encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. O
Relator apresentou em 07/11/06 o seu parecer pela constitucionalidade,
juridicidade, técnica legislativa e, no mérito, pela aprovação do Substitutivo do
Senado. O Parecer ainda não foi votado, sendo que foi retirado de Pauta no dia
08/11/06. Fontes: http://www2.camara.gov.br/proposicoes e
http://www.senado.gov.br, acesso em 30/06/2007.
O projeto, neste ponto, merece a crítica de apenas atribuir o dever de
confidencialidade ao mediador, quando, em realidade, o obrigação
deve atingir também as partes e qualquer pessoa que participe, direta
ou indiretamente do processo, salvo, como constou, por expressa
convenção contrária das partes56. Ainda não está claro no projeto, o
que deve ser objeto de sigilo, embora se possa presumir que o
silêncio enseja o entendimento, pela aplicação do princípio, que deva
referir-se a todos os argumentos e as alegações das partes e do
mediador, bem como às provas apresentadas. Neste ponto,
importante que se advirta que uma prova que poderia ser utilizada
judicialmente não pode perder esta característica pelo fato de ter sido
utilizada em uma mediação.
Acima foi dito que o projeto pode parcialmente modificar a atual
situação porque prevê alteração do artigo 331 do CPC, ainda
mantendo o procedimento de conciliação realizado pelo juiz. Nesta
fase, o princípio da confidencialidade continuará não sendo
aplicável, sob pena de ferir o inciso IX do artigo 93 da CF.
Eventualmente, se este substitutivo for aprovado na Câmara, sem
mudanças, poderá se encontrar aqui, no sistema brasileiro, uma
diferença entre mediação e conciliação.
Nas mediações e conciliações realizadas fora do âmbito do Tribunal,
não há disposições legais expressas dispondo sobre o princípio da
confidencialidade. Assim que, somente nestas mediações ou
conciliações as partes podem pactuar, pelo princípio da autonomia
privada, a adoção do sigilo em relação aos fatos, argumentos e
provas produzidos no processo de mediação ou conciliação. Dentre
os objetos do sigilo, também podem ser mencionados os termos de
um acordo ou mesmo a existência de um acordo, os apontamentos do
56 A mesma crítica é realizada à Lei 78/2001, de 13 de julho, que em Portugal
regulamenta os Julgados de Paz, por João Miguel Galhardo Coelho, Julgadosde Paz e Mediação de Conflitos, Lisboa: Âncora Editora, 2003, p. 36, e Marcos
Keel Pereira, A Mediação nos Julgados de Paz no Contexto da “Crise da
Justiça”, obra citada, p. 10.
mediador, as razões pelas quais as partes não chegaram ao acordo e
as propostas realizadas57 .
Pelo princípio da confidencialidade, as partes têm entre si, e em
relação ao mediador ou conciliador, a confiança58 de que o que
disserem não poderá ser utilizado contra si em um processo judicial
futuro, caso não cheguem a um acordo, nem poderá passar para o
exterior, sendo utilizado em outras circunstâncias contra as pessoas
envolvidas59. Assim, cada parte pode se reunir em particular com o
mediador ou conciliador (reunião que se chama caucus) e, com a
segurança de que suas informações não serão divulgadas nem à outra
parte, conseguem melhor esclarecer ao terceiro interveniente sobre a
profundidade e a natureza do litígio, permitindo que este terceiro
possa então ter uma ampla visão da relação que une as partes e,
assim, melhor orientá-las para que decidam a controvérsia. Também,
podem utilizar argumentos sem receio do mediador ou do
conciliador, que não decidirá o conflito e não poderá prestar
depoimento como testemunha.
57 Cfr. Klaus Reichert, Confidencialidade da Mediação Internacional, obra
citada, p. 170.
58 Também relacionando o princípio da confidencialidade com a confiança das
partes, Lília Maia de Morais Sales, Mediare: Um Guia prático para Mediadores,
obra citada, p. 24.
59 Cfr. João Miguel Galhardo Coelho, Julgados de Paz e Mediação de Conflitos,
obra citada, p. 36.
Consideradas as regras de processo civil vigentes, pode-se concluir
que o mediador ou conciliador, que atue através de uma instituição
privada, ou na Comissão de Conciliação Prévia ou mesmo no
Ministério do Trabalho nos conflitos coletivos de trabalho, não
poderá servir como testemunha em processo judicial, em vista de seu
impedimento legal. Neste sentido, o inciso III do parágrafo segundo
do artigo 405 do CPC. O terceiro no processo de mediação assiste as
partes, escuta, analisa o caso, percebe qual a melhor solução
manifestando-a às partes. Neste caso, a melhor solução é considerada
em razão dos fatos verificados e dos conhecimentos técnicos que
possui, sendo naturalmente que algum destes pode influir
indevidamente em julgamento do litígio. No caso da testemunha,
ainda que inexista causa de suspeição ou impedimento, esta não é
obrigada a depor sobre fatos a cujo respeito, por estado ou profissão,
deva guardar sigilo (artigo 406, II, CPC). Sendo o mediador ou o
conciliador um advogado, este pode recusar-se a depor como
testemunha em processo no qual funcionou ou deva funcionar, bem
como sobre fato que constitua sigilo profissional, nos termos do
inciso XIX do artigo 7º da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994. Como
pode ser observado, estes últimos dois dispositivos não fazem
exceção ao interesse público às garantias profissionais que impõem.
Há autores que sustentam que o princípio não é absoluto, e que ele
deve ser desconsiderado quando o interesse público o justificar.
Sustentam que o interesse privado não pode se sobrepor ao interesse
da sociedade e que, por isto, uma decisão legal ou judicial, ou uma
atitude de política pública poderia derrogar a regra de sigilo nas
mediações e conciliações60. Este entendimento pode ser questionado.
Inicialmente, é possível afirmar que o processo envolve litígios de
natureza patrimonial e caráter privado, sendo que dificilmente tais
litígios podem afrontar a ordem ou o interesse público. Além disto,
esta conclusão não considera que o princípio da confidencialidade
não é apenas decorrência da autonomia privada, mas é concretização
de outros princípios e valores constitucionais, como o Estado de
Direito, a segurança jurídica e a confiança. Neste caso, portanto,
manifesta-se divergência quanto ao entendimento de que um juiz ou
uma autoridade pública possa exigir do mediador ou do conciliador
alguma informação protegida pelo dever de confidencialidade.
A não observância do princípio da confidencialidade, à partida, não
enseja a invalidade do acordo ao qual as partes chegaram. Entretanto,
a publicação de fatos sobre os quais uma delas, o conciliador ou o
mediador, se obrigaram a guardar em segredo, para além de
contribuir para o descrédito do processo em si mesmo, pode gerar
para o profissional punições disciplinares, e para todos a
responsabilidade civil por danos causados.
4.4. Princípio da igualdade das partes
60 Cfr. José Luis Bolzan de Morais, obra citada, p. 147.
O artigo 5º da Constituição Federal dispõe que todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à igualdade. Este princípio tem vital importância nos
processos, tanto nos judiciais como nos extrajudiciais, assim como
nos consensuais e nos adversariais. Efetivamente, a igualdade
constitui um valor-meio para atingir um outro valor, qual seja, a
justiça61, que constitui outro princípio constitucional (artigo 3º, inciso
I, CF).
Na esteira da Constituição Federal, o artigo 125, inciso I, do CPC
estabelece que o juiz deve assegurar às partes igualdade de
tratamento. Este dever do juiz deve ser observado em todas as fases
do processo, inclusive quando promove a conciliação entre as partes.
O princípio da igualdade, não por força do CPC, mas pela expressa
disposição constitucional, tem que ser igualmente observado pelo
terceiro que auxilia as partes nas mediações e conciliações realizadas
fora do âmbito dos tribunais62 .
61 Cfr. Leda de Oliveira Pinho, Princípio da Igualdade – Investigação na
Perspectiva de Gênero, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2005,
pp.86/87.
62 O conciliador deve procurar, na condução do processo, “assegurar um
tratamento eqüitativo” às partes, “tendo em conta a circunstâncias do caso”,
conforme Dário Moura Vicente (Mediação Comercial Internacional, obra
citada, p. 69), reconhecendo este dever como respeito a princípios mínimos do
processo que não podem deixar de ser observados.
A igualdade no tratamento dispensado às partes é aquela que busca
afastar o inevitável desequilíbrio das relações entre as partes, que é
motivada por razões de natureza social, cultural e econômica. São
necessários meios que propiciem a compensação das desigualdades
verificadas no plano prático, com objetivo de oferecer às partes
igualdade material de oportunidades63. Portanto, não se trata aqui da
igualdade meramente formal, evidenciada por textos legais prevendo
identidade de direitos e de deveres, mas de observância da igualdade
material, que considere as condições concretas sob as quais as partes
exercem seus direitos e deveres64 .
Com este objetivo, incumbe ao terceiro que participa do processo
conceder às partes as mesmas oportunidades de manifestação e de
compreensão das ações desenvolvidas65. Nesta linha, o princípio da
igualdade permite ao mediador ou conciliador, inclusive, alertar as
partes quando caminham para um acordo notadamente prejudicial
para uma delas, especialmente quando esta é a parte mais fraca na
relação jurídica, sem que esta atitude importe em ofensa a outro
princípio aplicável ao processo, que é o da imparcialidade. Ainda,
compete ao mediador e ao conciliador instigar a efetiva participação
de todas as partes, de modo que a participação de uma não venha a
tolher a participação de outra, em razão de suas melhores condições
de negociação e argumentação. Afinal, a construção da solução do
litígio se faz pela implementação do diálogo.
63 Cfr. J. Pereira Batista, obra citada, pp. 49/50.
64 Sobre a classificação da igualdade em formal e material, Rui Portanova,
Princípios do Processo Civil, obra citada, p. 38.
65 Ver José Luis Bolzan de Morais. Obra citada, p. 151.
Na mediação e na conciliação, o princípio da igualdade se concretiza,
além do que já se disse, pela realização da sessão conciliatória ou
audiência com a presença das duas partes, pessoalmente ou
representadas, onde possam exprimir livremente suas razões e pontos
de vistas, tanto para o terceiro como para a parte contrária. Se as
partes admitirem o caucus, ou reunião privada com o mediador ou
conciliador, este deve promover a reunião com cada uma das partes,
em igualdade de oportunidades. Às partes devem ser oferecidas
idênticas oportunidades de apresentação de documentos que possuam
e entendam necessárias à exposição de seus posicionamentos.
A não observância do princípio da igualdade, à partida, pode afastar
o interesse da parte prejudicada no prosseguimento do feito. Quando
a mesma parte não percebe a tempo que está sendo indevidamente
tratada de maneira desigual -condição que pode viciar o acordo que
firmar por vício resultante de erro, dolo ou coação -pode pedir a
anulabilidade do negócio jurídico firmado, na forma do artigo 171 do
Código Civil, sem prejuízo da responsabilidade do mediador ou do
conciliador.66
4.5. Princípio da eficácia
A eficácia constitui não apenas uma qualidade, mas também um
princípio que deve reger todos os atos praticados no processo. A
eficácia do processo está relacionada com o seu custo, com o tempo
despendido e com a sua efetividade enquanto meio para o alcance da
solução do litígio. Afinal, é esta eficácia que justifica a relevância
que se tem dado ultimamente ao processo de mediação67 .
66 Referindo-se à intervenção inadequada do mediador, que pode importar na
nulidade do ato concluído e na sua responsabilidade, João Pedroso, Catarina
Trincão e João Paulo Dias, obra citada, p. 59.
67 Cfr. Dário Moura Vicente, Mediação Comercial Internacional, obra citada, p.
1084.
Estas características, que se concretizam pelo princípio da eficácia,
têm ligação com a relativa informalidade do processo de mediação e
de conciliação. Todavia, o direito positivo impõe algumas
formalidades, nomeadamente nos processos realizados no âmbito dos
tribunais. Por exemplo, no processo sumário previsto pelo Código de
Processo Civil, o não comparecimento do réu à audiência
conciliatória importa em sua revelia e confissão (artigo 277,
parágrafo segundo, CPC)68. Também nas Comissões de Conciliação
Prévia há algumas formalidades como a exigência de formulação do
pedido por escrito (parágrafo primeiro do artigo 625-D da CLT) ou a
fixação de prazo para a realização da sessão conciliatória (artigo 625F,
CLT). É fato que o processo de negociação e conciliação está
sujeito a poucas formalidades, mas estas efetivamente existem.
Nestas condições, trata-se da informalidade como concretização do
princípio que se passa a denominar princípio da eficácia.
Há doutrina69 que defende a aplicação do princípio da informalidade
do processo, argumentando que não existem regras rígidas nem
forma única que vinculam o processo, em razão do que cabe aos
mediadores o estabelecimento de padrão para facilitar a organização
e a elaboração de estatísticas. Este entendimento pode ser defendido
nas mediações ou conciliações realizadas por entidades privadas,
mas é preciso considerar que os processos também tramitam no
âmbito dos tribunais, onde há algumas regras rígidas como a
mencionada exigência de comparecimento à audiência conciliatória.
Também deve ser considerado que a transação obtida pela mediação,
mesmo fora do âmbito dos tribunais, deve satisfazer determinadas
68 Em situação semelhante na legislação portuguesa, em que o artigo 687º,
número 4, do Código do Trabalho qualifica como contra-ordenação grave o não
comparecimento da associação sindical, da associação de empregadores ou do
empregador às reuniões convocadas pelo mediador, Dário Moura Vicente
(Mediação Comercial Internacional, obra citada, p. 1081) entende que neste
caso não se pode tratar a mediação de um processo informal.
69 Por exemplo, Lília Maia de Morais Sales, Mediare: Um Guia Prático para
Mediadores, obra citada, p. 23.
exigências legais para ensejar, por exemplo, a sua execução forçada.
Portanto, não se trata de um processo totalmente informal70 .
O custo do processo é considerado um diferencial pela doutrina, em
relação a outros meios de solução de litígios, judiciais e
extrajudiciais. O baixo custo permite que muitas controvérsias sejam
resolvidas através deste tipo de processo, o que lhe traz importância
prática.71 A mediação e a conciliação, para serem eficazes, também
devem apresentar baixos custos. Há processos que, em razão de seu
valor econômico, jamais chegariam a um tribunal, e a mediação e a
conciliação, com seu baixo custo possibilitam a tentativa de solução.
É, sem dúvida, uma forma de acesso à Justiça.
Em relação ao tempo, a mediação e a conciliação são meios mais
céleres e ágeis para a solução dos litígios, quando comparados a
outros tipos de processo. A celeridade importa em promover, de
certo modo, a qualidade da justiça prestada, porque não basta apenas
uma solução adequada: é necessário que a solução seja apresentada
em tempo razoável72. Ademais, a morosidade faz aumentar o custo
indireto do processo73 . O inciso LXXVIII do artigo 5º da
Constituição Federal assegura a todos, no âmbito judicial e
administrativo, a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade da tramitação.
70 Cfr. Dário Moura Vicente, Mediação Comercial Internacional, obra citada, p.
1081.
71 Cfr. Luís de Lima Pinheiro, Arbitragem Transnacional – A Determinação do
Estatuto da Arbitragem, obra citada, p. 47.
72 Segundo Marcos Keel Pereira, A Mediação nos Julgados de Paz no Contexto
da “Crise da Justiça”. Lisboa: Working Paper da Faculdade de Direito da
Universidade Nova de Lisboa, 2002, pp. 7 e 8.
73 Ver José Luis Bolzan de Morais. Obra citada, págs. 147/148.
Finalmente, a eficácia do processo está relacionada com a produção
de efeitos práticos. Não basta uma solução formal, sendo importante
que a solução se torne efetiva. Em outras palavras, é preciso garantir
meios para que a solução encontrada seja cumprida pelas partes,
espontânea ou através de execução. O acordo oriundo da mediação e
da conciliação deve constituir título executivo.
Neste sentido, a sentença homologatória de conciliação ou de
transação e o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado
judicialmente, constituem títulos executivos judiciais (artigo 475-N,
CPC). Por sua vez, a escritura pública ou outro documento público
assinado pelo devedor, ou o documento particular assinado pelo
devedor e por duas testemunhas, o instrumento de transação
referendado pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou
pelos advogados dos transatores constituem títulos executivos
extrajudiciais (artigo 585, II, CPC). Também desta natureza são: o
termo de conciliação firmado perante as Comissões de Conciliação
Prévia (parágrafo único do artigo 625-E e artigo 876, da CLT); o
termo de ajuste de conduta firmado perante o Ministério Público do
Trabalho (artigo 876, CLT).
A não observância do princípio da eficácia, em todos os atos dos
processos de mediação e de conciliação, acaba por afastar o interesse
nesta forma de solução de litígios.
4.6. Princípio da qualificação do mediador e do conciliador
O terceiro que participa do processo para auxiliar as partes na busca
da solução do litígio deve apresentar certas qualidades obrigatórias,
as quais lhe dão credibilidade de modo a permitir que a mediação e a
conciliação atinjam seus objetivos. É em torno destas qualidades,
nomeadamente a independência e a imparcialidade, ao lado dos
conhecimentos específicos, que se estabelece o princípio que pode
ser denominado como princípio da qualificação do mediador e do
conciliador.
Alguns autores74 referem-se a dois princípios, o da participação de
terceiro imparcial e ao da competência do mediador. Pelo primeiro,
obriga-se o mediador a dispensar igual tratamento às partes do
processo, sem privilégios ou benefícios, outorgando-lhes as mesmas
oportunidades. Pelo segundo, exigem-se do mediador certas
características, conhecimentos e capacidade para o desempenho da
função. Entretanto, percebe-se como todas estas características
decorrem de qualidades que devem possuir o mediador e o
conciliador, o que leva à conclusão que tais exigências são apenas
concretizações do princípio maior nominado neste trabalho.
A imparcialidade do conciliador e do mediador são exigências para a
concretização dos princípios da igualdade e da confiança. A sua
independência contribui para a preservação destas qualidades75 ,
garantindo-se que o mediador e o conciliador não estarão sujeitos a
influências externas que possam afastá-lo do objetivo do processo.
É fato que na mediação e na conciliação o terceiro que atua de forma
a auxiliar as partes a encontrarem uma solução para o seu litígio não
decide a controvérsia. Não obstante, exige-se que atue com
imparcialidade porque deve ouvir as partes e, após compreender
melhor a situação de fato e os aspectos jurídicos que envolvem o
litígio. E não basta que paute sua atuação por estas exigências, mas
que demonstre às partes a sua retidão de agir.
74 Por exemplo, Lília Maia de Morais Sales, Mediare: Um Guia prático para
Mediadores, obra citada, p. 23.
75 Cfr. Rui Portanova, Princípios do Processo Civil, obra citada, p. 73, é a
independência que gera a imparcialidade.
Nestas condições, realmente a imparcialidade do mediador ou do
conciliador importa em dispensar às partes do litígio o mesmo
tratamento, concedendo-lhes iguais oportunidades de manifestação,
sem beneficiar nenhuma delas em detrimento da outra. Em outras
palavras, que respeite o princípio da igualdade, já mencionado
anteriormente. Ainda, importa que conciliador ou mediador não atue
caso verifique conflitos de interesses ou de relacionamentos com
qualquer das partes76. Em suma, a atuação imparcial do mediador e
do conciliador consiste em avaliar e agir objetivamente, com isenção
e independência, regendo-se por critérios lógicos racionais, em
relação à totalidade dos interesses envolvidos77 . A imparcialidade
também importa que o mediador ou conciliador não tome partido de
uma ou de outra parte durante o trâmite do processo, sob pena de
quebrar a confiança nele depositada, o que não significa que não
possa chamar a atenção das partes quando estas caminhem para um
acordo manifestamente injusto ou desequilibrado. O
comprometimento do conciliador e do mediador deve ser com o
processo, e não com alguma das partes.
Por outro lado, as partes têm o direito de escolher e de recusar o
mediador ou o conciliador, assim como este terceiro deve informar
às partes os fatos que possam prejudicar a sua imparcialidade78 .
Neste caso, sendo a vontade das partes ou sentindo o mediador ou o
conciliador que não pode respeitar integralmente o princípio da
imparcialidade, o terceiro deve afastar-se do processo79 .
76 Cfr. Susana Figueiredo Bandeira, obra citada, p. 135.
77 Segundo Maria Teresa de Melo Ribeiro, O Princípio da Imparcialidade da
Administração Pública, Coimbra: Almedina, 1996, p. 17.
78 Neste sentido, José Luis Bolzan de Morais, obra citada, p. 159.
79 Também em José Luis Bolzan de Morais, obra citada, p. 159.
Em relação à mediação e à conciliação promovida no âmbito dos
Tribunais, a independência e, conseqüentemente a imparcialidade, do
juiz são obtidas através da observância de garantias de vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, bem como de certas
proibições, como de exercício de outros cargos ou funções (salvo
uma de magistério); de recebimentos de custas, participação em
processo, auxílios ou contribuições, salvo exceções legais; de
dedicação a atividade político-partidária; de exercício da advocacia
no juízo ou tribunal do qual o juiz se afastou, antes de decorridos 3
anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração
(artigo 95, CF). Além disto, há o sistema de impedimentos e
suspeições previsto pelos artigos 134 e seguintes do Código de
Processo Civil.
Nas conciliações e mediações realizadas fora do âmbito dos
tribunais, o princípio da qualificação do mediador e do conciliador
justifica que sejam observadas garantias de independência nos
regulamentos das entidades privadas que promovam formas de
solução alternativa de litígios, como por exemplo, o exercício da
função durante determinado período de tempo previamente
estabelecido. Nas Comissões de Conciliação Prévia, a lei prevê a
observância de mandato de um ano aos conciliadores, permitida uma
recondução (artigo 625-B, III, CLT). Em qualquer hipótese, deve-se
aplicar aos mediadores e conciliadores as mesmas restrições
impostas aos juízes quanto às situações de impedimentos e
suspeições.
A não observância de princípio nominado como da qualificação do
mediador e do conciliador importa não apenas na nulidade do
processo e conseqüentemente do acordo ao qual as partes chegaram,
como na responsabilidade do mediador e do conciliador que não
observaram as exigências para o desempenho de sua função.
4.7. Princípio da inafastabilidade da jurisdição
O princípio da inafastabilidade da jurisdição encontra fundamento no
inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual a
lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito. Se a lei não possui tal poder, pode-se entender que tampouco
a vontade das partes poderá prevalecer quando algum direito sofrer
lesão ou ameaça. Em outras palavras, não é possível a criação de
obstáculos ao cidadão na busca de seus direitos perante o Poder
Judiciário80 .
Antes que se possa argumentar que a admissão de um princípio desta
natureza venha a desconstituir todo o interesse em meios de solução
de litígios que buscam justamente afastar as partes da utilização do
sistema judiciário, afirma-se que o princípio da inafastabilidade da
jurisdição, pelo contrário, gera uma garantia de que os processos de
mediação e de conciliação servirão efetivamente para solução
adequada de controvérsias, com efetiva observância de seus
princípios gerais.
As nulidades e as responsabilidades pelo desrespeito aos princípios
gerais do processo podem, pelo princípio da inafastabilidade da
jurisdição, ser conhecidos. Trata-se de um principio que acaba por
reforçar a necessidade de que os demais princípios nominados sejam
de fato aplicados no processo.
A não observância deste princípio pode ensejar a consolidação de
equívocos ou injustiças encobertas por acordos resultantes da
conciliação ou mediação, obtidos sem observância dos princípios
gerais destes processos.
5. Conclusão
80 Cfr. Rui Portanova, Princípios do Processo Civil, obra citada, p. 82.
Este estudo constitui em uma primeira aproximação na identificação
e análise dos princípios gerais aplicáveis à mediação e à conciliação,
tema que por sua importância, justifica o interesse na continuidade
da pesquisa e na realização de debates para o desenvolvimento do
processo, enquanto meio útil para solução das controvérsias e para a
pacificação social.
Ao localizar na legislação os principais dispositivos que disciplinam
os processos de mediação e de conciliação no ordenamento jurídico
brasileiro, demonstrou-se a importância conferida pelo legislador
para a solução dos litígios através da conciliação, quando estes são
levados ao Poder Judiciário. Esta importância não é apenas teórica,
porque muitos litígios são, de fato, resolvidos pela conciliação. Mas,
ainda é possível alargar em muito o número de processos resolvidos
pelas partes, com o auxílio de conciliadores e mediadores. Para além
dos dispositivos legais que evidenciam a importância do processo, e
do esforço já empreendido pelos seus operadores, percebe-se que
ainda prevalece uma cultura adversarial do processo. É o que se
verifica na rotina forense, o que pode ser reflexo do método de
ensino do Direito nas faculdades, onde não se dedica maior tempo
para o estudo das formas consensuais de solução de litígios. Espera-
se que o estudo dos processos de mediação e de conciliação,
especialmente dos princípios gerais que lhes são aplicáveis, possa
constituir um real contributo para a mudança de conceitos, para a
melhoria dos serviços do Poder Judiciário e da vida em sociedade.
Fora do âmbito dos tribunais judiciais, a relativa ausência de
regulamentação específica dos processos de conciliação e mediação
não constitui óbice à utilização destes meios para solução de litígios.
O princípio da autonomia privada continua, neste ínterim, servindo
de alicerce para a existência, o desenvolvimento e o reconhecimento
do processo, suprindo as lacunas da lei. Por outro lado, espera-se
com este trabalho colaborar de algum modo com o debate que gira
em torno da iminente regulamentação do processo.
A mencionada cultura adversarial, e muitas vezes a má utilização do
processo, ensejam certa resistência à solução dos litígios pelos meios
alternativos à jurisdição, inclusive nos processos já regulamentados,
nomeadamente nos litígios trabalhistas individuais pelas Comissões
de Conciliação Prévia. Espera-se que a identificação dos seus
princípios gerais possa oferecer instrumentos para verificação da sua
validade jurídica, diminuindo a mencionada resistência à sua
utilização na medida em que justifica a confiança de quem os
utilizar.
O respeito à livre vontade das partes, dentro dos limites da
autonomia privada, com observância dos princípios da igualdade, da
boa-fé, da eficácia e da qualificação dos conciliadores e mediadores,
naturalmente contribuirá para a diminuição da noticiada resistência.
Por sua vez, a confidencialidade dos processos de mediação e de
conciliação instiga a maior colaboração das partes para a resolução
do real litígio que as une, e que muitas vezes não transparece nos
processos do tipo adversarial.
Por fim, as partes e os mediadores e conciliadores têm a garantia de
que nenhuma ameaça ou lesão a direito poderá ser mantida pela
necessária aplicação do princípio da inafastabilidade da jurisdição. A
observância dos princípios gerais, por sua vez, servirá de garantia de
manutenção, pelo Poder Judiciário, das soluções construídas pelas
partes eventualmente questionadas.
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