OTAVIO BRITO e RICARDO BRITTO PEREIRA
A unicidade e a contribuição obrigatória não encontram mais argumentos que as sustentem no atual estágio da democracia brasileira |
REPORTAGENS publicadas recentemente por esta Folha apontaram a existência de diversos sindicatos com reduzido número de filiados -ou até mesmo nenhum- e que, sem prestar relevantes serviços à categoria, continuam se beneficiando da contribuição sindical compulsória.
Entidades dessa natureza proliferaram com a Constituição Federal de 1988. O texto constitucional consagrou a liberdade sindical, prevendo a autonomia como garantia contra a interferência dos poderes públicos nos sindicatos -salvo o registro feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego, que não avalia critérios de representatividade.
Por outro lado, manteve a proibição de ser criada mais de uma entidade para representar uma categoria numa base territorial não inferior ao município -associada à contribuição prevista em lei, arrecadada de todos os integrantes das categorias e independentemente da atuação da entidade sindical.
A conjunção desses elementos contribuiu para a criação de sindicatos de fachada. Porém, diferentemente do que imaginam, entendem ou defendem os seus dirigentes, essas entidades não encontram respaldo constitucional. Ao contrário, elas afrontam diretamente princípios constitucionais, na medida em que impedem que organizações verdadeiramente representativas possam atuar oficialmente em nome dos representados.
A Constituição impôs contundentes mudanças sociais, e uma delas foi o fim de práticas autoritárias e totalitárias, dando lugar a princípios democráticos por meio de efetiva participação de indivíduos e grupos na determinação dos destinos do país. A amplitude dessa participação é expressão da pluralidade e diversidade.
Trata-se de uma síntese ou acomodação das mais variadas tendências, o que imprime a todo o ordenamento jurídico o caráter inclusivo, e não excludente. A carga valorativa e de significados existentes nesses elementos irradia por todo o ordenamento e orienta a compreensão do fenômeno jurídico na integralidade.
Nesse contexto, a unicidade e a contribuição obrigatória figuram como intrusas. Não estão soltas, mas integram conjunto normativo que possui outros elementos e exigências. A única justificativa aceitável para a permanência delas no texto constitucional é a de promoverem uma transição branda para um modelo de organização sindical baseado na liberdade plena e na primazia dos princípios democráticos.
A implementação de uma sociedade efetivamente democrática depende do cumprimento dos princípios constitucionais em todos os setores, especialmente em importante segmento da sociedade brasileira, como é caso das relações trabalhistas. A unicidade é aspecto necessariamente transitório da organização sindical brasileira, ainda que sua eliminação textual possa demorar algum tempo.
Portanto, é chegada a hora de modificar esse quadro. A unicidade e a contribuição obrigatória não encontram mais argumentos que as sustentem no atual estágio da democracia brasileira.
Ao Congresso Nacional cabe tomar as providências para uma efetiva reforma, que pode consistir na aprovação de lei que estabeleça critérios de aferição de representatividade para a manutenção do registro sindical. Ou pode ir além e ratificar a convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) pelo quórum previsto no artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição -com equivalência às emendas constitucionais.
Mas enquanto a reforma não ocorre, os intérpretes constitucionais devem desempenhar relevante papel.
As restrições ao princípio da liberdade sindical -como a unicidade- não comportam interpretação autônoma ou absoluta a ponto de aniquilar a liberdade, a representatividade e a boa-fé inerente a toda relação jurídica. A autonomia, por sua vez, não é imunidade ou possibilidade de se beneficiar de recursos públicos sem prestar contas e em proveito próprio.
O Ministério Público do Trabalho, na defesa do regime democrático por imposição constitucional, possui o dever de atuar contra as entidades sindicais de fachada ou carentes de representatividade.
OTAVIO BRITO LOPES, 49, é procurador-geral do Ministério Público do Trabalho. Foi presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho.
RICARDO BRITTO PEREIRA, 47, mestre pela UnB (Universidade de Brasília) e doutor em direito pela Universidade Complutense de Madri (Espanha), é chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região (DF e TO).
Link: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2905200908.htm
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