domingo, 23 de março de 2014

Contravenção Importunação Ofensiva ao Pudor

A dificuldade em se adequar esta norma contravencional ao assédio sexual sem ferir o princípio da legalidade, residia, a nosso ver, na exigência legal de que o ato de importunar (incomodar com súplicas repetidas, aborrecer com pedidos insistentes, apoquentar, provocar, com a sua presença, transtorno, embaraçar, estorvar, interromper(11)) ocorresse em lugar público ou acessível ao público, como "ruas, praças, avenidas, rodovias, jardins, estádios, etc. Não há contravenção se o fato ocorre em local particular. Nesse sentido: JTACrimSP, 38:139."(12)

Havia julgados rechaçando a contravenção exatamente por não ter havido a publicidade do fato:

"Exige a lei para a configuração de importunação ofensiva ao pudor, que o fato seja praticado em lugar público ou acessível ao público. Isso quer dizer que, se a importunação ocorrer entre quatro paredes, o agente não é alcançado pela cominação legal." (TACrimSP – Rel. Itagiba Porto – RT 292/410).

"Não basta importunar alguém para que se caracterize a infração do art. 61 da LCP, sendo indispensável que isso ocorra em lugar público ou acessível ao público e de forma a ofender o pudor da vítima." (TACrimSP – AC – Rel. Valentim Silva – JUTACrim 38/139).

"O fim da repressão consoante o art. 61 da Leis das Contravenções Penais é de punir aquele que submete alguém ao vexame de ver o seu pudor ferido diante de uma assistência popular. De outra parte, não se pode cogitar da contravenção do art. 61 mencionada no parecer. Semelhante infração não condiz com o recinto da fábrica, principalmente tendo em vista que o réu apelado sempre procurou agir à sombra da cortina de uma discrição que não o expusesse à crítica dos seus operários. Não lhe interessava o conhecimento da sua indecorosa conduta..." (TJSP – AC – Rel. Martins Ferreira – RT 294/92).

"Impossível cogitar-se do ilícito previsto no art. 61 da Lei das Contravenções Penais, tendo o fato acontecido entre quatro paredes, pois o tipo legal exige, para a sua caracterização, que a importunação ocorra em lugar público ou acessível ao público, não podendo ser considerado como tal escritório com porta fechada." (TACrimSP – AC – Rel. Mesquita de Paula – Rolo-flash 1.056/271, j. 08/08/96).

De todas as maneiras, encontrávamos na jurisprudência vários exemplos em que se extraía, "a fórceps", a consumação da referida contravenção em semelhantes hipóteses, senão vejamos:

"Médico que, em plantão, junto à vítima, auxiliar de enfermagem, apalpa-lhe a barriga dizendo-a estar ‘barrigudinha’. Ela foi saindo, mas, puxada por ele, que o abraçou por trás, encostou seu rosto no pescoço dela e quis massagear-lhe a barriga. Importunação ofensiva ao pudor. Ocorrência." (TACrimSP – AC – 948.765-7 – Rel. Dyrceu Cintra).

Neste exemplo, observa-se que, ao que parece, o fato ocorreu no interior de um hospital ou de uma clínica médica, longe dos olhares de terceiros, o que impediria, na verdade, a configuração do tipo.

"Importunação ofensiva ao pudor – Encarregado de turma que provoca trabalhadoras rurais com propostas indecorosas – Caracterização – Caracteriza a contravenção do art. 61 da LCP a conduta daquele que, se aproveitando da condição de encarregado de turma, em atividade rural, com a presença de trabalhadores, em pleno campo de serviço, dirige a moças rurícolas propostas indecorosas e referências ofensivas ao pudor, expondo-as ao ridículo perante os companheiros de serviço." (TACrimSP – AC – Rel. Ribeiro Machado – RJD 14/87).

Neste julgado, sim, o fato contravencional ocorreu em lugar aberto ao público, caracterizando-se a infração penal de então.

"Caracteriza a contravenção do art. 61 a conduta do réu que agarra a vítima, que trabalha em seu estabelecimento comercial, beijando-a no pescoço com sucção, já que há desrespeito ao pudor da ofendida em local franqueado ao público." (TACrimSP – AC – Rel. Junqueira Sangirardi – RJD 27/141). Aqui, considerou-se o fato de que o local do assédio ocorreu em lugar accessível ao público.

"Contravenção penal – Art. 61, Lei das Contravenções Penais – Palavras e gestos libidinosos dirigidos a funcionária por superior hierárquico – Violação às normas de convivência – Caracterização – Condenação mantida – O referido artigo protege a decência, punindo a violação às normas de convivência, procurando colocar um freio moral aos atos e palavras ofensivas ao pudor." (TACrimSP – AC – Rel. Nogueira Filho – JUTACrim 96/251).

Havia, ainda, uma terceira figura infracional invocada, a do art. 65 da mesma Lei de Contravenções Penais, in verbis:

"Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável".

Como se lê, esta contravenção não exige que o fato seja praticado em local público ou accessível ao público.

Vejam, a propósito, os seguintes julgados:

"Contravenção Penal. Perturbação de tranqüilidade. Assédio de patrão sobre empregada. Reprovabilidade de conduta manifesta. Prova boa à condenação. Palavra da vítima fundamental e que não contrasta com a verossimilhança. Nulidade sentencial inocorrente. Peça inicial que descreve os fatos convenientemente. Desnecessidade de representação da vítima. Apenamento correto. Apelo improvido." (TACRimSP, Rel. Luís Soares de Mello, DJSP 24/11/00, p. 141).

"Pratica a contravenção do art. 65 da competente lei quem assedia mulher honesta pretendendo com ela manter relações carnais." (Juricrim – Franceschini, n. 2.265).

"Responde pela contravenção do art. 65 da Lei de Contravenções Penais quem, molestando a tranqüilidade alheia, desfere tapa em alheias nádegas." (TACrimSP – AC – Rel. Sílvio Lemmi – JUTACrim 29/233).


V – Outras Hipóteses Delitivas

Afora estas três infrações penais, aventava-se também a hipótese da configuração do crime de injúria (art. 140 do Código Penal), que consiste em atingir a vítima em sua "honra subjetiva, ou seja, em sua estima própria, no juízo que faz de si mesma, na sua dignidade ou decoro", atribuindo-lhe "qualidades negativas ou defeitos; é a exteriorização de um juízo que se faz de alguém."(13) Por outro lado, a conduta pode realizar-se de várias maneiras, tais como através de "gestos, palavras, desenhos, atitudes".(14)

Por fim, havia o ato obsceno, expresso no art. 233 do Código Penal, in verbis:

"Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público".

Assim, se a conduta do agente consistia em "um movimento corpóreo que atrita, abertamente, grosseiramente, com o sentimento médio de pudor ou com os bons costumes" e "possa ser visto (independentemente da circunstância de ter sido realmente visto) por um indeterminado número de pessoas", configurado estaria o delito, que tem a publicidade como sua característica central.(15)

A nós nos parece que estes eram os tipos penais que poderiam vir a se amoldar mais propriamente ao chamado assédio sexual, advertindo-se sempre para a questão inicial enfrentada neste trabalho.


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