sexta-feira, 21 de março de 2014

O sono e os sonhos


 

400 O Espírito encarnado permanece de bom grado no seu envoltório corporal?

“É como se perguntasses se ao encarcerado agrada o cárcere. O Espírito encarnado aspira constantemente à sua libertação e tanto mais deseja ver-se livre do seu invólucro, quanto mais grosseiro é este.”

 

401. Durante o sono, a alma repousa como o corpo?

1 “Não, o Espírito jamais está inativo. 2 Durante o sono, afrouxam-se os laços que o prendem ao corpo e, não precisando este então da sua presença, ele se lança pelo espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos.”

 

402. Como podemos julgar da liberdade do Espírito durante o sono?

1 “Pelos sonhos. 2 Quando o corpo repousa, acredita-o, tem o Espírito mais faculdades do que no estado de vigília. Lembra-se do passado e algumas vezes prevê o futuro. Adquire maior potencialidade e pode pôr-se em comunicação com os demais Espíritos, quer deste mundo, quer do outro. 3 Dizes frequentemente: Tive um sonho extravagante, um sonho horrível, mas absolutamente inverossímil. Enganas-te. É amiúde uma recordação dos lugares e das coisas que viste ou que verás em outra existência ou em outra ocasião. 4 Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de quebrar seus grilhões e de investigar no passado ou no futuro.

5 “Pobres homens, que mal conheceis os mais vulgares fenômenos da vida! Julgais-vos muito sábios e as coisas mais comezinhas vos confundem. Nada sabeis responder a estas perguntas que todas as crianças formulam: Que fazemos quando dormimos? Que são os sonhos?

6 “O sono liberta a alma parcialmente do corpo. Quando dorme, o homem se acha por algum tempo no estado em que fica permanentemente depois que morre. 7 Tiveram sonos inteligentes os Espíritos que, desencarnando, logo se desligam da matéria. Esses Espíritos, quando dormem, vão para junto dos seres que lhes são superiores. Com estes viajam, conversam e se instruem. Trabalham mesmo em obras que se lhes deparam concluídas quando volvem, morrendo na terra, ao mundo espiritual. 8 Ainda esta circunstância é de molde a vos ensinar que não deveis temer a morte, pois que todos os dias morreis, como disse um santo.

9 “Isto, pelo que concerne aos Espíritos elevados. Pelo que respeita ao grande número de homens que, morrendo, têm que passar longas horas na perturbação, na incerteza de que tantos já vos falaram, esses vão, enquanto dormem, ou a mundos inferiores à Terra, onde os chamam velhas afeições, ou em busca de gozos quiçá mais baixos do que os em que aqui tanto se deleitam. Vão beber doutrinas ainda mais vis, mais ignóbeis, mais funestas do que as que professam entre vós. 10 E o que gera a simpatia na Terra é o fato de sentir-se o homem, ao despertar, ligado pelo coração àqueles com quem acaba de passar oito ou nove horas de ventura ou de prazer. Também as antipatias invencíveis se explicam pelo fato de sentirmos em nosso íntimo que os entes com quem antipatizamos têm uma consciência diversa da nossa. Conhecemo-los sem nunca os termos visto com os olhos. 11 É ainda o que explica a indiferença de muitos homens. Não cuidam de conquistar novos amigos, por saberem que muitos têm que os amam e lhes querem. Numa palavra: o sono influi mais do que supondes na vossa vida.

12 “Graças ao sono, os Espíritos encarnados estão sempre em relação com o mundo dos Espíritos. 13 Por isso é que os Espíritos superiores assentem, sem grande repugnância, em encarnar entre vós. Quis Deus que, tendo de estar em contato com o vício, pudessem eles ir retemperar-se na fonte do bem, a fim de igualmente não falirem, quando se propõem a instruir os outros. O sono é a porta que Deus lhes abriu, para que possam ir ter com seus amigos do Céu; é o recreio depois do trabalho, enquanto esperam a grande libertação, a libertação final, que os restituirá ao meio que lhes é próprio.

14 “O sonho é a lembrança do que o Espírito viu durante o sono. 15 Notai, porém, que nem sempre sonhais. Que quer isso dizer? Que nem sempre vos lembrais do que vistes, ou de tudo o que haveis visto, enquanto dormíeis. É que não tendes então a alma no pleno desenvolvimento de suas faculdades. Muitas vezes, apenas vos fica a lembrança da perturbação que o vosso Espírito experimenta à sua partida ou no seu regresso, acrescida da que resulta do que fizestes ou do que vos preocupa quando despertos. 16 A não ser assim, como explicaríeis os sonhos absurdos, que tanto os sábios, quanto as mais humildes e simples criaturas têm? Acontece também que os maus Espíritos se aproveitam dos sonhos para atormentar as almas fracas e pusilânimes.

17 “Em suma, dentro em pouco vereis vulgarizar-se outra espécie de sonhos. Conquanto tão antiga como a de que vimos falando, vós a desconheceis. Refiro-me aos sonhos de Joana, ao de Jacob, aos dos profetas judeus e aos de alguns adivinhos indianos. São recordações guardadas por almas que se desprendem quase inteiramente do corpo, recordações dessa segunda vida a que ainda há pouco aludíamos.

18 “Tratai de distinguir essas duas espécies de sonhos nos de que vos lembrais, do contrário cairíeis em contradições e em erros funestos à vossa fé.” n

 

19 Os sonhos são efeito da emancipação da alma, que mais independente se torna pela suspensão da vida ativa e de relação. Daí uma espécie de clarividência indefinida que se alonga até aos mais afastados lugares e até mesmo a outros mundos. Daí também a lembrança que traz à memória acontecimentos da precedente existência ou das existências anteriores. As singulares imagens do que se passa ou se passou em mundos desconhecidos, entremeados de coisas do mundo atual, é que formam esses conjuntos estranhos e confusos, que nenhum sentido ou ligação parecem ter.

 

20 A incoerência dos sonhos ainda se explica pelas lacunas que apresenta a recordação incompleta que conservamos do que nos apareceu quando sonhávamos. É como se a uma narração se truncassem frases ou trechos ao acaso. Reunidos depois, os fragmentos restantes nenhuma significação racional teriam.

 

403. Porque não nos lembramos sempre dos sonhos?

1 “Em o que chamas sono, só há o repouso do corpo, visto que o Espírito está constantemente em atividade. 2 Recobra, durante o sono, um pouco da sua liberdade e se corresponde com os que lhe são caros, quer neste mundo, quer em outros. 3 Mas, como é pesada e grosseira a matéria que o compõe, o corpo dificilmente conserva as impressões que o Espírito recebeu, porque a este não chegaram por intermédio dos órgãos corporais.”

 

404. Que se deve pensar das significações atribuídas aos sonhos?

1 “Os sonhos não são verdadeiros como o entendem os ledores de buena-dicha, pois fora absurdo crer-se que sonhar com tal coisa anuncia tal outra. 2 São verdadeiros no sentido de que apresentam imagens que para o Espírito têm realidade, porém que, frequentemente, nenhuma relação guardam com o que se passa na vida corporal. 3 São também, como atrás dissemos, um pressentimento do futuro, permitido por Deus, 4 ou a visão do que no momento ocorre em outro lugar a que a alma se transporta. 5 Não se contam por muitos os casos de pessoas que em sonho aparecem a seus parentes e amigos, a fim e avisá-los do que a elas está acontecendo? Que são essas aparições senão as almas ou Espíritos de tais pessoas a se comunicarem com entes caros? Quando tendes certeza de que o que vistes realmente se deu, não fica provado que a imaginação nenhuma parte tomou na ocorrência, sobretudo se o que observastes não vos passava pela mente quando em vigília?”

 

405. Acontece com frequência verem-se em sonho coisas que parecem um pressentimento, que, afinal, não se confirma. A que se deve atribuir isto?

1 “Pode suceder que tais pressentimentos venham confirmar-se apenas para o Espírito. Quer dizer que este viu aquilo que desejava, foi ao seu encontro. 2 É preciso não esquecer que, durante o sono, a alma está mais ou menos sob a influência da matéria e que, por conseguinte, nunca se liberta completamente de suas ideias terrenas, donde resulta que as preocupações do estado de vigília podem dar ao que se vê a aparência do que se deseja, ou do que se teme. A isto é que, em verdade, cabe chamar-se efeito da imaginação. Sempre que uma ideia nos preocupa fortemente, tudo o que vemos se nos mostra ligado a essa ideia.”

 

406. Quando em sonho vemos pessoas vivas, muito nossas conhecidas, a praticarem atos de que absolutamente não cogitam, não é isso puro efeito de imaginação?

1 “De que absolutamente não cogitam, dizes. Que sabes a tal respeito? Os Espíritos dessas pessoas vêm visitar o teu, como o teu os vai visitar, sem que saibas sempre o em que eles pensam. 2 Demais, não é raro atribuirdes, de acordo com o que desejais, a pessoas que conheceis, o que se deu ou se está dando em outras existências.”

 

407. É necessário o sono completo para a emancipação do Espírito?

1 “Não; basta que os sentidos entrem em torpor para que o Espírito recobre a sua liberdade. 2 Para se emancipar, ele se aproveita de todos os instantes de trégua que o corpo lhe concede. 3 Desde que haja prostração das forças vitais, o Espírito se desprende, tornando-se tanto mais livre, quanto mais fraco for o corpo.”

 

4 Assim se explica que imagens idênticas às que vemos em sonho, vejamos estando apenas meio dormindo, ou em simples modorra.

 

408. E qual a razão de ouvirmos, algumas vezes em nós mesmos, palavras pronunciadas distintamente e que nenhum nexo têm com o que nos preocupa?

“É fato: ouvis até mesmo frases inteiras, principalmente quando os sentidos começam a entorpecer-se. É, quase sempre, fraco eco do que diz um Espírito que convosco se quer comunicar.”

 

409. Doutras vezes, num estado que ainda não é bem o do adormecimento, estando com os olhos fechados, vemos imagens distintas, figuras cujas mínimas particularidades percebemos. Que há aí, efeito de visão ou de imaginação?

1 “Estando entorpecido o corpo, o Espírito trata de desprender-se. Transporta-se e vê. 2 Se já fosse completo o sono, haveria sonho.”

 

410. Dá-se também que, durante o sono, ou quando nos achamos apenas ligeiramente adormecidos, acodem-nos ideias que nos parecem excelentes e que se nos apagam da memória, apesar dos esforços que façamos para retê-las. Donde vêm essas ideias?

1 “Provêm da liberdade do Espírito que se emancipa e que emancipado, goza de suas faculdades com maior amplitude. 2 Também são, frequentemente, conselhos que outros Espíritos dão.”

 

a — De que servem essas ideias e esses conselhos desde que, pelos esquecer, não os podemos aproveitar?

1 “Essas ideias, em regra, mais dizem respeito ao mundo dos Espíritos do que ao mundo corpóreo. 2 Pouco importa que comumente o Espírito as esqueça, quando unido ao corpo. Na ocasião oportuna voltar-lhe-ão como inspiração de momento.”

 

411. Estando desprendido da matéria e atuando como Espírito, sabe o Espírito encarnado qual será a época de sua morte?

1 “Acontece pressenti-la. 2 Também sucede ter plena consciência dessa época, o que dá lugar a que, em estado de vigília, tenha a intuição do fato. Por isso é que algumas pessoas preveem com grande exatidão a data em que virão a morrer.”

 

412. Pode a atividade do Espírito, durante o repouso, ou o sono corporal, fatigar o corpo?

“Pode, pois que o Espírito se acha preso ao corpo qual balão cativo ao poste. Assim como as sacudiduras do balão abalam o poste, a atividade do Espírito reage sobre o corpo e pode fatigá-lo.”

 




 

Visitas espíritas entre pessoas vivas


 

413. Do princípio da emancipação da alma parece decorrer que temos duas existências simultâneas: a do corpo, que nos permite a vida de relação ostensiva; e a da alma que nos proporciona vida de relação oculta. É assim?

1 “No estado de emancipação, prima a vida da alma. 2 Contudo, não há, verdadeiramente, duas existências. São antes duas fases de uma só existência, porquanto o homem não vive duplamente.”

 

414. Podem duas pessoas que se conhecem visitar-se durante o sono?

1 “Certo e muitos que julgam não se conhecerem costumam reunir-se e falar-se. Podes ter, sem que o suspeites, amigos em outro país. 2 É tão habitual o fato de irdes encontrar-vos, durante o sono, com amigos e parentes, com os que conheceis e que vos podem ser úteis, que quase todas as noites fazeis essas visitas.”

 

415. Que utilidade podem elas ter, se as olvidamos?

“De ordinário, ao despertardes, guardais a intuição desse fato, do qual se originam certas ideias que vos vêm espontaneamente, sem que possais explicar como vos acudiram. São ideias que adquiristes nessas confabulações.”

 

416. Pode o homem, pela sua vontade, provocar as visitas espíritas? Pode, por exemplo, dizer, quando está para dormir: Quero esta noite encontrar-me em Espírito com Fulano, quero falar-lhe para dizer isto?

1 “O que se dá é o seguinte: Adormecendo o homem, seu Espírito desperta e, muitas vezes, nada disposto se mostra a fazer o que o homem resolvera, porque a vida deste pouco interessa ao seu Espírito, uma vez desprendido da matéria. Isto com relação a homens já bastante elevados espiritualmente. 2 Os outros passam de modo muito diverso a fase espiritual de sua existência terrena. Entregam-se às paixões que os escravizaram, ou se mantêm inativos. 3 Pode, pois, suceder, tais sejam os motivos que a isso o induzem, que o Espírito vá visitar aqueles com quem deseja encontrar-se. Mas não constitui razão, para que semelhante coisa se verifique, o simples fato de ele o querer quando desperto.”

 

417. Podem Espíritos encarnados reunir-se em certo número e formar assembleias?

1 “Sem dúvida alguma. Os laços, antigos ou recentes, da amizade costumam reunir desse modo diversos Espíritos, que se sentem felizes de estar juntos.”

 

2 Pelo termo antigos se devem entender os laços de amizade contraída em existências anteriores. Ao despertar, guardamos intuição das ideias que haurimos nesses colóquios, mas ficamos na ignorância da fonte donde promanaram.

 

418. Uma pessoa que julgasse morto um de seus amigos, sem que tal fosse a realidade, poderia encontrar-se com ele, em Espírito, e verificar que continuava vivo? E, dado o fato, poderia, ao despertar, ter dele a intuição?

1 “Como Espírito, a pessoa que figuras pode ver o seu amigo e conhecer-lhe a sorte. 2 Se lhe não houver sido imposto, por prova, crer na morte desse amigo, poderá ter um pressentimento da sua existência, como poderá tê-lo de sua morte.”

 




 

Transmissão oculta do pensamento


 

419. Que é o que dá causa a que uma ideia, a de uma descoberta, por exemplo, surja em muitos pontos ao mesmo tempo?

1 “Já dissemos que durante o sono os Espíritos se comunicam entre si. 2 Ora bem! Quando se dá o despertar, o Espírito se lembra do que aprendeu e o homem julga ser isso um invento de sua autoria. Assim é que muitos podem simultaneamente descobrir a mesma coisa. 3 Quando dizeis que uma ideia paira no ar, usais de uma figura de linguagem mais exata do que supondes. Todos, sem o suspeitarem, contribuem para propagá-la.”

 

4 Desse modo, o nosso próprio Espírito revela muitas vezes, a outros Espíritos, mau grado nosso, o que constituía objeto de nossas preocupações no estado de vigília.

 

420. Podem os Espíritos comunicar-se, estando completamente despertos os corpos?

1 “O Espírito não se acha encerrado no corpo como numa caixa; irradia por todos os lados. 2 Segue-se que pode comunicar-se com outros Espíritos, mesmo em estado de vigília, se bem que mais dificilmente.”

 

421. Como se explica que duas pessoas, perfeitamente acordadas, tenham instantaneamente a mesma ideia?

1 “São dois Espíritos simpáticos que se comunicam e veem reciprocamente seus pensamentos respectivos, embora sem estarem adormecidos os corpos.”

 

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