O primeiro fator da iluminação é sati ou vigilância. São várias as traduções desse termo em português, como atenção plena, plena conscientização, etc. Sigo aqui a opção do prof. Ricardo Sasaki e utilizo vigilância por algumas razões. Primeiro é uma solução elegante pois traduz uma palavra por outra, ao invés de um composto de palavras. Além disso há na palavra sati o aspecto de guarda, proteção o que me parece ser melhor contemplado com a utilização do termo vigilância. Conforme o Abhidhammattha Sangaha temos:
A palavra sati deriva de uma raiz que significa “lembrar”, mas como um fator mental significa presença de espírito, atenção voltada para o presente, e não a faculdade da memória em relação ao passado. Ele tem a particularidade de não oscilar, ou seja, não se distanciar do objeto. Sua função é a ausência de confusão ou não-esquecimento. Ela se manifesta como proteção, ou como o estado de enfrentar um campo objetivo. Sua causa imediata é a forte percepção dos quatro fundamentos da vigilância. (fonte da citação: http://en.wikipedia.org/wiki/Mindfulness)
Temos portanto como algumas notas para sati atenção, guarda, proteção, estar presente de modo atento e memória. Analayo (Satipatthana: the direct path to realization) em seu estudo aponta como exemplo de memória Ananda que de acordo com a tradição lembrava de todos os discursos do Buddha por ele ouvidos. Ainda dentro do aspecto da memória temos as recordações (anussati) como por exemplo as lembranças das três joias e seus aspectos, conforme falei em textos anteriores. Quanto ao aspecto de proteção ou vigilância que a palavra sati possui, temos um símile que apresenta sati como o guardião dos portões de uma cidade. São duas as versões que Analayo apresenta nesse ponto. Na primeira mensageiros aparecem com mensagens urgentes para o rei e sati informa o caminho mais rápido para encontra-lo. Na segunda sati observa o fluxo de pessoas e só permite que cidadãos legítimos cruzem os portões. Como um vigia.
Como articular então vigilância como fator da iluminação? Podemos observar que sem vigilância não tem como seguir o caminho do Buddha. É preciso sempre lembrar o ensinamento que foi ouvido e lido e também lembrar sempre de por tal ensinamento em prática. Só quando tal lembrança se consolida podemos progredir no caminho, seja pelo aumento da concentração na meditação formal, seja pela lembrança do ensinamento diante dos desafios do dia-a-dia. Lembrar dos ensinamentos do Buddha sobre como lidar com a raiva é fundamental para que lidemos com a raiva!
Se tomamos todos os aspectos da prática buddhista vemos que a vigilância perpassa todos. Sem vigilância não conseguiremos seguir os preceitos em momentos cruciais da vida; sem vigilância não conseguiremos alcançar algum grau de concentração (não é à toa que vigilância também é um elo do caminho óctuplo) e sem vigilância não conseguiremos realizar a dimensão da sabedoria que implica na realização plena das quatro nobres verdades.
Um outro aspecto importante da vigilância é a dimensão da atenção simples. Quanto mais nosso cultivo da vigilância se fortalece conseguimos nos manter protegidos de estados mentais aflitivos, de reações automáticas que podem trazer prejuízo e sofrimento para nós e para os outros. Analayo chama este aspecto de atenção simples ou “bare attention”, mesma expressão utilizada por Nyanaponika Thera no ensaio o poder da vigilância, traduzido por mim e disponível no site do nalanda no link http://nalanda.org.br/ensinamentos/o-poder-da-vigilancia-1a-parte.
Este aspecto da vigilância protege as portas dos sentidos, nos ensinando a cultivar o parar para pensar, ver a situação sem distorções para que a ação não ocorra seguindo nossos hábitos e tendências pouco salutares.
Créditos da foto: http://www.visitusa.com/arizona/pictures/grandcanyon-nationalpark.htm
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