ÉTICA e MORAL - conceituação
Vitorino Felix Sanson
Etimologia
Há duas palavras gregas, parecidas, que explicam o sentido etimológico de Ética: ethos e éthos.
Ethos significa costume. Refere-se a usos e costumes de um grupo. Nos grupos humanos primitivos os costumes são decisivos para a conduta dos indivíduos. Nesse estágio, a moral e o direito são os costumes. A Ética do grupo é também a Ética dos indivíduos, O modo de ser do grupo é o modo de ser de cada indivíduo.
Costumes, plural, em latim é mores. De mores vem Moralis - Moral, palavra com que Cícero (De Fato, II, 1) traduziu a palavra grega éthikós. Ética é Moral.
O grupo impõe os seus costumes ao indivíduo visando à exterioridade da Ética. A sociedade dita as normas de conduta intersubjetiva. Ao inculto, é preciso que se lhe diga o que deve fazer e o que não deve fazer para o bem estar social. A norma, originada dos costumes, visa a ação exterior; por ex., - não mate, não roube, não estupre... Quando a consciência moral dos indivíduos for mais cultivada, quando os indivíduos possuírem critério interior próprio, a Ética interiorizar-se-á; por ex., "Ama o teu próximo como a ti mesmo", que para um santo (S. Agostinho) se reduz a uma palavra: - “Ama, et fac quod vis” - Ama e faz o que quiseres.
Éthos significa domicílio, moradia. É a morada habitual de alguém, o país onde alguém habita. Passou a designar a maneira de ser habitual, o caráter, a disposição da alma. Caráter é marca, sigilo, timbre ou disposição interna da vontade que a inclina a agir habitualmente de determinada maneira. Hábito, para o bem ou para o mal, virtuoso ou vicioso, é quase segunda natureza, fonte de atos. (Hábito é efeito de atos, pois a repetição de atos causa o hábito; mas uma vez adquirido, o hábito toma-se causa de atos).
Pois bem, etimologicamente, Ética, seja de ethos seja de éthos, as duas palavras são parentas, chega-se ao mesmo sentido — via costumes ou via morada habitual. Os dois caminhos levam à conduta humana.
Definição
Ética não se restringe à descrição de costumes ou hábitos de diferentes povos. Esta descrição seria Etiologia ou Etnografia. O objeto real da Ética vai além do sentido etimológico. (Como Economia - etimologicamente é apenas administração da casa - na realidade a Economia ocupa-se de questões que vão muito além da casa). A Ética procura princípios que dirijam a consciência na escolha do bem e concentra sua atenção na vontade humana (como a lógica, na inteligência), porque o objeto da Ética é o ato humano, e o ato humano é produzido pela vontade.
O ato, objeto da Ética, é o ato humano, ato específico do homem, ato que distingue o homem dos outros seres. Os outros atos (atos do homem) são realizados pelo homem, mas não enquanto homem, apenas enquanto ser biológico ou animal. O homem nasce e cresce por forças inatas, necessárias, por determinismo natural. Destas ações não sé ocupa a Ética.
a) Ato humano - é o ato voluntário e livre. Não é voluntário o ato espontâneo e necessário. Vontade é tendência racional; só há vontade em seres racionais. Por isso o ato voluntário supõe que a inteligência teve conhecimento prévio do objeto que se apresenta à vontade. É necessário este conhecimento para que o ato seja humano.
A liberdade acrescenta o domínio da vontade sobre o ato, de tal maneira que possa escolher entre agir e não agir, ou agir desta ou daquela maneira, isto é, possa escolher entre este ou aquele ato.
O objeto material da Ética é o ato humano, ato voluntário e livre, qualquer ato involuntário e não-livre não é ato humano e, portanto, não é objeto da Ética.
b) Objeto Formal é o ponto de vista sob o qual uma ciência encara o objeto material. O homem é objeto material de muitas ciências: Antropologia, Psicologia, Filosofia, Medicina, etc. O que distingue uma ciência da outra é o objeto formal. O corpo humano é objeto material da Anatomia, da Fisiologia, da Medicina, etc... Mas cada uma destas ciências estuda o mesmo objeto material - o corpo humano - sob o ponto de vista da estrutura, do funcionamento dos órgãos, de saúde, etc...
Pois bem, o objeto material da ética - o ato humano - é objeto material também de outras ciências: p. ex., Psicologia, Psiquiatria, Sociologia, Política, etc... Mas é diferente o objeto formal. A Psicologia estuda o aspecto entitativo e funcional da vontade e seus atos. A Ética estuda o aspecto moral do ato humano e de toda a atividade humana: o bem e o mal, o honesto e o desonesto, o justo e o injusto, o virtuoso e o vicioso.
Mas para julgar o aspecto moral dos atos humanos é preciso ser portador de critérios, princípios e normas que sirvam para distinguir o bem do mal; o justo do injusto, a virtude do vício.
Resumindo:
1) A Ética procura definir o bem e o mal moral;
2) Procura determinar princípios e normas éticas;
3) Que levem o indivíduo a cumprir com seus deveres e ordenar seus atos.
Pode-se definir o objeto formal da Ética recorrendo ao conceito de valor. Valor é a qualidade que faz estimável alguma coisa. (Procuro definição objetiva para fugir da polêmica Teoria dos valores - Subjetivismo). Valorização não é necessariamente sentimento humano subjetivo; por ter sentido de perfeição e de bem; cai então sob o domínio da Ética.
A realidade em si é a-ética. As coisas, os objetos não têm moralidade. Eticidade ou moralidade supõe liberdade e voluntariedade. Moralidade é a relação do ato humano com a diretriz ética. Compete à Filosofia a compreensão da realidade; e toda realidade está sujeita a juízos de valor. A Filosofia é a consciência de toda a atividade humana, indica-lhe diretrizes para a produção de realidade mais valiosa, e por isso o vê sob o duplo prisma de ser e de valer: o que é e o que vale, o que é e o que deve ser. A Ética quer ser a ciência crítica dos valores universais válidos. Universais também se de fato não podem ser aceitos por todos. Uma coisa não é verdadeira, boa, bela porque a mim assim agrada. “Não há valor estritamente individual: os juízos de valor são sempre coletivos” (Mentré).
Toda atividade humana é imantada’ por valores e é necessariamente axiológica. O sujeito da Ética é o homem e os homens se distinguem pelos valores que vivem. Antes de assumir formas objetivas a atividade humana é projetada subjetivamente por homens que vivem determinados valores. Ao objetivar-se realizam valores. Valorização do mundo através da criação intelectual, ética, estética.
A Ética procura um pensamento que tenha valor absoluto de verdade. Procura um querer e um agir que tenha valor absoluto de bem. Os valores singulares são necessariamente históricos e relativos. O singular pode ser verdadeiro, mas não é a verdade; pode ser bom, mas não é o bem. A Filosofia aponta para valores universais e absolutos, mesmo sabendo que são humanamente inatingíveis. A Ética se propõe a indicar um valor universal para toda a atividade humana, um bem que tenha valor sempre, um valor-guia para todos os atos humanos.
Uma última palavra: Ética não é ciência mecânica, não é técnica que se aprende, põe-se a funcionar e funciona. Nem é ciência, como a lógica, voltada para a inteligência: aprende-se, põe-se em prática, é eficiente. A Ética dirige-se à vontade, ao âmago do ser humano, à consciência. Mais do que ciência, Ética é sabedoria. Supõe o saber, mas é o que fica quando se esquece tudo o que se aprendeu. Permanece o caráter, o hábito, que se for bom, é virtude.
Da Ética ocuparam-se todos os filósofos, também os pré-socráticos por Aristóteles considerados físicos e fisicíssimos. Mesmo ocupando-se mais de Cosmologia do que de Antropologia, como Pitágoras e pitagóricos, como Leucipo e Demócrito, os mais físicos de todos, enriqueceram a humanidade com os mais elevados ensinamentos éticos.
Da Ética ocupou-se a vida inteira Sócrates.
Sobre a Ética discorreu Platão em todos os seus diálogos. Aristóteles legou-nos quatro tratados de Ética. E quando morria Aristóteles, nascia Zenão de Cício, o fundador do Estoicismo, que reduziu toda a Filosofia à Ética.
In: "Ética e Trabalho", Caxias do Sul, De Zorzi S/A - pg. 81-84
“Ética é um conjunto de princípios e valores que guiam e orientam as relações humanas. Esses princípios devem ter características universais, precisam ser válidos para todas as pessoas e para sempre...
A ética é muito mais ampla, geral, universal do que a moral. A ética tem a ver com princípios mais abrangentes, enquanto a moral se refere mais a determinados campos da conduta humana. Quando a ética desce de sua generalidade, de sua universalidade, fala-se de uma moral, por exemplo, uma moral sexual, uma moral comercial. Acho que podemos dizer que a ética dura mais tempo, e que a moral e os costumes prendem-se mais a determinados períodos. Mas uma nasce da outra. É como se a ética fosse algo maior e a moral fosse algo mais limitado, restrito, circunscrito.”
(Herbert de Souza. Ética e Cidadania. São Paulo, Moderna, 1994.)
Ethos — ética, em grego — designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para, moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. A ética, como morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para si.
Ético significa, portanto, tudo aquilo que ajuda a tornar melhor o ambiente para que seja uma moradia saudável: materialmente sustentável, psicologicamente integrada e espiritualmente fecunda.
Na ética há o permanente e o mutável. O permanente é a necessidade do ser humano de ter uma moradia: uma maloca indígena, uma casa no campo e um apartamento na cidade. Todos estão envolvidos com a ética, porque todos buscam uma moradia permanente.
O mutável é o estilo com que cada grupo constrói sua morada. É sempre diferente: rústico, colonial, moderno, de palha, de pedra... Embora diferente e mutável, o estilo está a serviço do permanente: a necessidade de ter casa. A casa, nos seus mais diferentes estilos, deverá ser habitável.
Quando o permanente e o mutável se casam, surge uma ética verdadeiramente humana.
Moral, do latim mos, mores, designa os costumes e as tradições. Quando um modo de se organizar a casa é considerado bom a ponto de ser uma referência coletiva e ser reproduzido constantemente, surge então uma tradição e um estilo arquitetônico. Assistimos, ao nível dos comportamentos humanos, ao nascimento da moral.
Nesse sentido, moral está ligada a costumes e a tradições específicas de cada povo, vinculada a um sistema de valores, próprio de cada cultura e de cada caminho espiritual.
Por sua natureza, a moral é sempre plural. Existem muitas morais, tantas quantas culturas e estilos de casa. A moral dos yanomamis é diferente da moral dos garimpeiros. Existem morais de grupos dentro de uma mesma cultura: são diferentes a moral do empresário, que visa o lucro, e a moral do operário, que procura o aumento de salário. Aqui se trata da moral de classe. Existem as morais das várias profissões: dos médicos, dos advogados, dos comerciantes, dos psicanalistas, dos padres, dos catadores de lixo, entre outras. Todas essas morais têm de estar a serviço da ética. Devem ajudar a tornar habitável a moradia humana, a inteira sociedade e a casa comum, o planeta Terra.
Existem sistemas morais que permanecem inalterados por séculos. São renovadamente reproduzidos e vividos por determinadas populações ou regiões culturais. Assim, a poligamia entre os árabes e a monogamia das culturas ocidentais. Por sua natureza, a moral se concretiza como um sistema fechado.
De que forma se articulam a ética e a moral? Respondemos simplesmente: a ética assume a moral, quer dizer, o sistema fechado de valores vigentes e de tradições comportamentais. Ela respeita o enraizamento necessário de cada ser humano na realização de sua vida, para que não fique dependurada das nuvens.
Mas a ética introduz uma operação necessária: abre esse enraizamento. Está atenta às mudanças históricas, às mentalidades e às sensibilidades cambiáveis, aos novos desafios derivados das transformações sociais. Ela impõe exigências a fim de tornar a moradia humana mais honesta e saudável. A ética acolhe transformações e mudanças que atendam a essas exigências. Sem essa abertura às mudanças, a moral se fossiliza e se transforma em moralismo.
A ética, portanto, desinstala a moral. Impede que ela se feche sobre si mesma. Obriga-a à constante renovação no sentido de garantir a habitabilidade e a sustentabilidade da moradia humana: pessoal, social e planetária.
Concluindo, podemos dizer: a moral representa um conjunto de atos, repetidos, tradicionais, consagrados. A ética corporifica um conjunto de atitudes que vão além desses atos. O ato é sempre concreto e fechado em si mesmo. A atitude é sempre aberta à vida com suas incontáveis possibilidades. A ética nos possibilita a coragem de abandonar elementos obsoletos das várias morais.
Confere-nos a ousadia de assumir, com responsabilidade, novas posturas, de projetar novos valores, não por modismo, mas como serviço à moradia humana.
Não basta sermos apenas morais, apegados a valores da tradição. Isso nos faria moralistas e tradicionalistas, fechados sobre o nosso sistema de valores. Cumpre também sermos éticos, quer dizer, abertos a valores que ultrapassam aqueles do sistema tradicional ou de alguma cultura determinada. Abertos a valores que concernem a todos os humanos, como a preservação da casa comum, o nosso esplendoroso planeta azul-branco. Valores do respeito à dignidade do corpo, da defesa da vida sob todas as suas formas, do amor à verdade, da compaixão para com os sofredores e os indefesos. Valores do combate à corrupção, à violência e à guerra. Valores que nos tornam sensíveis ao novo que emerge, com responsabilidade, seriedade e sentido de contemporaneidade.
Há pessoas que insistem em morar em suas casas antigas, sem delas cuidar e sem adaptá-las às novas necessidades. Elas deixam de ser o que deveriam ser: aconchegantes, protetoras e funcionais. É a moral desgarrada da ética. A ética convida a reformar a casa para torná-la novamente calorosa e útil como habitação humana. Como o filósofo grego Heráclito dizia: “a ética é o anjo protetor do ser humano”.
Por essa atitude ética, os atos morais acompanham a dinâmica da vida. A moral deve renovar-se permanentemente sob a orientação e a hegemonia da ética. Cabe à ética garantir a moradia humana, sob diferentes estilos, para que seja efetivamente habitável.
A Escola de Atenas, de Rafael
Concluamos estas reflexões com a evocação de um famoso quadro do pintor renascentista Rafael, a Escola de Atenas, pintado em 1510. Aí se representam duas figuras decisivas para o paradigma ocidental: Platão e Aristóteles. Além de serem dois filósofos maiores, são expressão de dois modos de ser ou de duas filosofias de vida: o realismo e o idealismo, a águia e a galinha.
Platão aponta com uma das mãos para cima, para o ideal, para o céu. Com a outra, segura o livro Timeu onde expõe a primazia das idéias sobre a realidade sensível. É o homem do mundo ideal, da essência perfeita de cada ser, da utopia, dos grandes sonhos, da abertura infinita do ser humano: a águia.
Aristóteles, ao contrário, aponta para baixo, para a realidade empírica, para a terra. Segura o livro Ética, no qual apresenta os princípios orientadores para a prática humana rumo à felicidade. É o homem do realismo, dos projetos viáveis, do caminho bem definido, da prática concreta: a galinha.
Leonardo BOFF, "A águia e a galinha", 3a. ed., Vozes, pg. 90-96.
http://eumat.vilabol.uol.com.br/conceito.htm
como a etica define o bem e o mal moral?
ResponderExcluirkaraa iso aki é muito chatoo ô
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